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Opinião: utilizar IA no RH não é questão de tecnologia, mas de maturidade organizacional

A pergunta certa, então, não é “como usar IA no RH?”

IA: máquinas inteligentes já estão ajudando os humanos a expandirem suas habilidades de várias maneiras. (SvetaZi/Getty Images for National Geographic Magazine)

IA: máquinas inteligentes já estão ajudando os humanos a expandirem suas habilidades de várias maneiras. (SvetaZi/Getty Images for National Geographic Magazine)

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Publicado em 19 de agosto de 2025 às 10h00.

Por Tiago Amor*

Há algo fundamental que precisa ser dito com todas as letras: a IA não vai transformar seu RH se sua empresa ainda opera com mentalidade de comando e controle. A inteligência artificial, quando aplicada à gestão de pessoas, não resolve problemas estruturais, ela os escancara.

A questão, portanto, não é “como aplicar IA no RH”, mas sim “o que a sua cultura revela quando você a aplica?”. Tecnologia não cria maturidade. Ela apenas amplifica o que já existe. Em empresas que ainda tratam pessoas como ativos controláveis, a IA funciona como uma vigilante impessoal. Em outras, onde o humano é visto como diferencial estratégico, a tecnologia se torna aliada na construção de ambientes mais justos, personalizados e orientados a resultados reais.

Segundo levantamento da PwC (2024), 84% dos CEOs acreditam que a IA aumentará a eficiência do tempo de trabalho dos seus colaboradores. Mas outro dado chama atenção: metade deles reconhece que suas empresas ainda não estão preparadas para essa realidade, segundo estudo da Workday.

Faz sentido. Não é fácil trocar o velho eixo da eficiência operacional por uma bússola voltada à inteligência organizacional. E a IA, nesse cenário, não oferece atalhos, ela exige maturidade.

Quem decide: os dados ou os gestores?

A adoção de IA no RH vai muito além de automatizar tarefas operacionais. Triagem de currículos, mapeamentos comportamentais, alertas preditivos de turnover. Tudo isso é só a superfície, o impacto real está na forma como as decisões passam a ser tomadas. E, principalmente, por quem.

Imagine algoritmos que sugerem promoções, avaliam lideranças e até indicam possíveis desligamentos. Agora pense: sua empresa está preparada para lidar com essa inteligência sem abrir mão da empatia? Ou está usando dashboards para delegar responsabilidades que exigem julgamento humano?

Não se trata de resistir à tecnologia, mas de aceitar que ela exige contrapartidas. IA no RH só gera valor quando vem acompanhada de governança, transparência e coragem para rever o que não funciona. Caso contrário, corremos o risco de usar IA para reforçar práticas inconscientes que deveriam ter sido deixadas no passado.

Em muitos casos, a adoção de IA no RH expõe o que as lideranças não querem discutir:

  • Quem tem acesso à informação?
  • Quem realmente decide?
  • Quais critérios sustentam uma promoção ou um desligamento?

Quando dados passam a falar mais alto, não dá mais para justificar escolhas baseadas em afinidade ou percepção subjetiva. A IA traz à tona um novo pacto organizacional: decisões precisam ser rastreáveis, argumentos precisam ser consistentes e o RH precisa assumir um papel cada vez mais próximo de uma consultoria de integridade do negócio.

Isso exige um outro tipo de competência. Não basta entender de ferramentas. O RH precisa ler padrões, traduzir dados em contexto e sustentar conversas difíceis. A IA traz eficiência, sim. Mas também impõe um novo nível de responsabilidade emocional, estratégica e ética.

E agora, por onde começar?

A resposta é menos tecnológica do que parece. O ponto de partida não está na ferramenta, mas na cultura. Não a cultura de adesivos na parede, mas aquela que se manifesta nas decisões do dia a dia.

  • Como sua empresa lida com o erro?
  • Como reconhece o talento?
  • Como trata o que não é visível nos relatórios?

São essas perguntas que precisam ser respondidas antes mesmo de contratar qualquer ferramenta de IA.

O segundo passo é construir uma base sólida de dados e critérios. Não existe IA eficaz sem dados limpos. E decisões sujas não se escondem atrás de algoritmos. Isso significa estabelecer indicadores que façam sentido para pessoas, não apenas tempo de contratação ou custo por headcount, mas é preciso acompanhar engajamento, senso de pertencimento, aprendizado real.

Por fim, é preciso desenvolver lideranças que saibam conviver com a ambiguidade. Que entendam que a IA entrega velocidade, mas não entrega sentido. Quem dá sentido às decisões continua sendo o RH. Continua sendo a liderança.

Empresas que não olharem para dentro antes de automatizar para fora vão encontrar na IA um espelho. E talvez não gostem do reflexo.

A pergunta certa, então, não é “como usar IA no RH?”.

É: o que a sua cultura revela quando exposta à inteligência artificial?

*Tiago Amor é CEO da Lecom.

 

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