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Opinião: quando R$ 3,5 bilhões elevado a zero é igual a 1, resultado inconstitucional

Em um problema de Direito Tributário o raciocínio conjunto pode resultar em inconstitucionalidade

 (Rmcarvalho/Getty Images)

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Publicado em 2 de janeiro de 2025 às 07h00.

Última atualização em 3 de janeiro de 2025 às 10h26.

Por Rodrigo Cesar Caldas de Sá

Algumas pessoas me perguntam por que eu estudo matemática. Posso responder porque concordo com a citação atribuída a Galileo Galilei de que a matemática é a linguagem com a qual Deus escreveu o Universo. Ou que a matemática está em tudo, é útil na vida profissional e pessoal, melhora o raciocínio, tem uma série de curiosidades e surpresas. O fato é que estudo porque há verdade na matemática. Encontro paz no processo investigativo de uma resposta, por meio de um imenso portfólio de ferramentas, que de maneira lógica, elegante e racional, chega-se a um resultado. Para mim, estudar matemática não é um hobby ou um projeto de desenvolvimento; é uma maneira de me manter dentro de um ambiente racional, lógico e previsível, que me ajuda a lidar com o dia a dia da profissão de advogado na área tributária do Brasil.

As fórmulas logarítmicas, equações de segundo grau, relações entre ângulos, os cálculos de juros simples e compostos, as demonstrações de valor no tempo, enfim, os métodos de solução de problemas matemáticos são demonstráveis, chegam sempre aos mesmos resultados, em qualquer lugar do mundo, feitos por qualquer pessoa. Um exemplo simples se relaciona à potenciação. Qualquer número elevado a zero é igual a um. Há um racional lógico para isso.

Em uma operação de potência, a base indica o número que será multiplicado por ele mesmo e o expoente é o número de vezes que esse número de base será multiplicado. Por exemplo, 23=8, porque dois multiplicado por si próprio três vezes (2 x 2 x 2=8). Quando diminuímos um número do expoente, de 3 para 2, temos 22=4, ou seja, 2 x 2=4. Visto de outra maneira, dividimos o resultado da potência anterior, que é 8, pela base da potência, que é 2, ou seja, 8/2=4. Ao diminuir o expoente mais uma vez, de 2 para 1, temos 21=2 igual a dois. O mesmo processo de dividir o resultado anterior, 4, pela base, que é 2, ou seja, 4/2=2. Por último, quando temos 2 0=1, dividimos o último resultado, 2, pela mesma base 2. E teremos, portanto, 2/2=1. O raciocínio se aplica a potências de bases iguais que sejam diferentes de zero. Portanto, ao se elevar a zero um número, por exemplo, 4, 10, 150.000 ou 3,5 bilhões, o que temos é o número dividido por ele próprio, que é igual a 1.

Em um problema de Direito Tributário, o sistema chegaria ao mesmo resultado, mas o raciocínio pode resultar em inconstitucionalidade, ou seja, um resultado válido matematicamente, mas não juridicamente. Veja-se o seguinte caso, passado recentemente, quando da aprovação do PLP 68/2024 pelo Congresso Nacional, especificamente com a criação de um benefício fiscal que resultaria em arrecadação de potência zero, para a indústria de refino de petróleo na Zona Franca de Manaus, atualmente composta por apenas uma empresa. Os benefícios que se pretende criar não existem atualmente. Trata-se do benefício autorizado pelo artigo 441, alínea “e” do texto aprovado do PLP 68/2024.
A Constituição da República, com o advento da Emenda Constitucional n° 132/2023 (EC 132/2023) determina que o Imposto Sobre Bens e Serviços não será objeto de incentivo fiscal, exceto os determinados pela própria Constitucional (artigo 156-A, §1°, X). O mesmo para a Contribuição Sobre Bens e Serviços, que substituirá o PIS/COFINS e que, por indicação do artigo 149-B da Constituição, deve ter as mesmas normas gerais que o IBS.

Uma Lei Complementar complementa a Constituição, no que a Constituição determinar. Lei complementar não é autóctone, não inova, mas completa, por determinação bastante específica da Constituição. Afinal, cabe à lei complementar, não criar. No que se refere ao IBS/CBS, a legislação decorrente do PLP 68, já aprovada pelo Congresso Nacional, será essa Lei Complementar.
Em relação à Zona Franca de Manaus (ZFM), a Constituição, por meio da redação dada ao ADCT pela EC 132/2023, estabelece que devem ser criados mecanismos para que seja mantido, em caráter geral, o diferencial competitivo da ZFM. A Constituição claramente determina que a Lei Complementar deve manter o status quo, assegurar que não haja perda de competitividade geral da ZFM. Está claro no artigo 92-B do ADCT, caput. Não se fala em ampliar benefícios da ZFM, mas em manter o diferencial que existe.

Não cabe a essa Lei Complementar, em relação à ZFM, criar benefício, ainda mais quando a própria Constituição, com a redação dada pela EC 132/2023, proíbe a concessão de benefícios para o IBS/CBS, exceto quando assim determinar. E para a ZFM, a Constituição não determina a criação de nenhum incentivo para uma indústria de refino. Penso ser esse um ponto de reflexão estritamente jurídica, e não política, sobre a constitucionalidade da criação de benefício para a (única) indústria de refino de combustíveis na ZFM. Isso é importante porque não se discute o mérito da decisão política do Congresso Nacional, muito menos dos benefícios relativos à ZFM. Essa discussão na verdade se encerrou com a própria EC 132/2023.

Assim, conforme se queria demonstrar, ter arrecadação de potência zero de uma base de arrecadação, segundo notícias de mídia, de R$ 3,5bilhões (três e meio bilhões de reais), resultaria em benefício para um contribuinte, apenas. Porém, o resultado da equação pela qual 3,5bi0 = 1 é inconstitucional. E não importa se são R$ 3,5 bilhões, R$ 1 bilhão ou R$ 500 mil. O resultado sempre será o mesmo. Embora o Direito não seja ciência exata, contando com variáveis fora do campo de visão do estudioso, é de se esperar que, neste caso, tal benefício seja de fato declarado inconstitucional, idealmente por veto, ou por meio de Ação de Declaração de Inconstitucionalidade. Um dos objetivos da Reforma Tributária sobre o consumo do Brasil é trazer uma pacificação do sistema fiscal atual. Será difícil chegarmos a um sistema que traga a paz da matemática, mas com disciplina e afinco, podemos fazer muito melhor do que hoje.

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