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Opinião: IA pode ampliar ou limitar o cérebro humano dependendo do usuário

Entenda como a inteligência artificial, sob o prisma da neurociência, pode impactar a cognição humana

Os efeitos da inteligência artificial no cérebro humano podem ser tão negativos quanto positivos (Peter Cade /Getty Images)

Os efeitos da inteligência artificial no cérebro humano podem ser tão negativos quanto positivos (Peter Cade /Getty Images)

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Publicado em 8 de outubro de 2025 às 15h00.

Por Marielva Andrade Silva Dias*

A inteligência artificial amplia a capacidade de análise, acelera a solução de problemas complexos e potencializa a criatividade humana. Como entusiasta de neurociência e IA, tenho conhecimento da capacidade do nosso cérebro para se adaptar conforme nossas experiências, hábitos e ao meio em que vivemos. 

Portanto, questiono: será que estamos conscientes o que o uso dessa tecnologia está produzindo em termos de transformação em nós? 

Esta pergunta ecoa enquanto neurocientistas observam mudanças profundas na forma como processamos informações, tomamos decisões e desenvolvemos pensamento crítico. 

O dilema no uso da inteligência artificial

De um lado, o receio de que a dependência de sistemas inteligentes transforme nosso cérebro em um músculo passivo e ocioso. Do outro, a visão de uma humanidade aumentada, capaz de resolver questões desafiadoras com velocidade e profundidade inéditas. 

Estudos mostram que, ao delegar tarefas intelectuais a ferramentas de modelos de linguagem, o cérebro humano modifica a forma de operar. O que está em debate é o núcleo da nossa cognição: memória, atenção, raciocínio e habilidade de tomar decisões

A escolha entre expandir ou desvigorar essas funções passa pelo modo como usamos a inteligência artificial

Por meio de eletroencefalografias, o MIT Media Lab analisou a atividade cerebral de pessoas que redigiram textos com e sem auxílio de IA. O resultado inquieta: 

  • Quem escreveu sem ajuda exibiu redes neurais mais fortes e distribuídas. 
  • Os usuários de modelos generativos mostraram conectividade mais fraca e menor senso de autoria sobre o próprio texto. 

Não é exagero afirmar que a terceirização constante do pensamento muda o cérebro em nível fisiológico. Aliás, ressignificar crenças e, ter novos hábitos nos transformam pela neuroplasticidade.

Podemos sim nos reprogramar de diversas formas e esta foi uma das lições que mais amei no curso de Neuroestratégia e Pensamento Transversal, na ESIC Business & Marketing School. 

No caso específico do processo de aprendizagem, o fenômeno tem nome: 

Terceirização cognitiva

Significa transferir para ferramentas externas o esforço de processar, reter e organizar informações. A consultoria de IA Anthropic, em estudo com mais de 574 mil conversas educacionais, concluiu que quase metade das interações entre estudantes e IA buscava respostas prontas, com mínima elaboração própria. É a comodidade em substituição à saudável fricção do pensar. 

A IA como inimiga do cérebro: o problema não está na tecnologia, nas ferramentas de LLM. Está no comportamento de quem usa. 

A Nature Reviews Psychology alertou que ferramentas generativas elevam o desempenho, mas também podem minimizar o processamento cognitivo e metacognitivo profundo que sustenta aprendizado de qualidade. 

A produtividade pode crescer, mas a inteligência real, aquela que exige reflexão e síntese, corre o risco de estagnar sem o bom uso da IA. A consciência do usuário diante dessa questão é o primeiro passo para que a inteligência artificial seja aliada do processo cognitivo e da atividade cerebral mais elevada. 

A confiança excessiva na IA tende a reduzir o pensamento crítico, enquanto a autoconfiança humana o fortalece. A IA desloca o foco do raciocínio para tarefas de verificação e integração de respostas, o que pode empobrecer a etapa criativa e estratégica do trabalho mental. É um novo perfil cognitivo, com mais curadoria e menos elaboração original. 

Por outro lado, ignorar os ganhos objetivos do uso da inteligência artificial seria ingenuidade. 

Há impactos claros na produtividade

A economia de tempo e o aumento de escala são inegáveis. Porém, um ponto de atenção: produtividade não é sinônimo de inteligência diante da possibilidade de ser, ao mesmo tempo, rápido e superficial. 

A saída está em projetar usos de IA que preservem a inteligência humana. Experimentos da Cornell University com suporte integrado à escrita mostram que, desenhar interações em que a IA funciona como provocadora em vez de simplesmente redatora, aumenta a profundidade e o senso de autoria. Temos que usar a inteligência artificial como trampolim, não como arrimo cognitivo.

O impacto da inteligência artificial no cérebro humano será tão positivo ou negativo quanto a postura de quem a utiliza. 

Ela pode afiar o raciocínio e ampliar a criatividade para novos padrões de pensamento. Pode, por outro lado, criar uma geração de usuários brilhantes na superfície, mas frágeis na essência. O que está em jogo é mais do que o futuro da tecnologia. 

É a arquitetura mental de toda uma sociedade e as escolhas que fazemos todos os dias diante da IA. A fronteira final dessa revolução não está no silício, mas em nossas sinapses. A pergunta que definirá nosso futuro não é o que a máquina pode fazer. 

É o que nós, como arquitetos da própria mente, escolheremos nos tornar.  

*Marielva Andrade Dias é vice-presidente de Negócios para Instituições Públicas da Positivo Tecnologia. 

 

 

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