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Opinião: no saneamento, é engano pensar que soluções padronizadas possam resolver problemas diversos

É preciso construir sistemas inteligentes, sustentáveis e preparados para o futuro

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Publicado em 21 de julho de 2025 às 10h00.

Por Leandro Marin*

Quem trabalha com saneamento no Brasil aprende rapidamente que cada município é um universo próprio, com desafios específicos de infraestrutura, geografia, demanda populacional e vulnerabilidade socioambiental. Por isso, é ilusório pensar que soluções padronizadas possam resolver problemas tão diversos. Assumir a gestão de um sistema tão amplo exige compreender que cada cidade carrega particularidades que precisam ser respeitadas. Esse entendimento, por si só, já muda a forma de planejar e executar políticas públicas na área. Ao iniciarmos, em 2023, uma atuação integrada em 317 municípios do Rio Grande do Sul, nos deparamos com essa realidade e fomos obrigados a pensar o saneamento não como um serviço isolado, mas como uma política de transformação estrutural.

O papel do acesso à água e esgoto no desenvolvimento social

Ampliar o acesso à água tratada e à coleta e tratamento de esgoto não é apenas uma obrigação contratual: é um compromisso com o desenvolvimento social, a saúde pública e a sustentabilidade urbana. A universalização do saneamento, sobretudo a expansão da cobertura de esgoto, ainda representa um dos principais gargalos do setor. Para mudar esse cenário, é preciso planejamento de longo prazo, investimento robusto, capacidade técnica e, sobretudo, agilidade na execução.

Infraestrutura como elemento essencial no saneamento

Um dos projetos em andamento no estado prevê a implantação de mais de 20 mil quilômetros de redes de esgoto, com a meta de elevar a cobertura de esgotamento sanitário de zero a 90% em dez anos em centenas de municípios. Trata-se de uma infraestrutura que, se colocada em linha reta, seria quatro vezes maior que a distância entre o Oiapoque e o Chuí — mas que, por estar no subsolo, permanece invisível à maior parte da população. Fato é, que ela tem papel essencial na prevenção de doenças como diarreia, cólera e hepatite A, que continuam a afetar comunidades sem acesso ao saneamento adequado.

Gestão privada como aliada na transformação do setor

Para enfrentar desafios dessa magnitude, é indispensável adotar modelos de gestão mais modernos e eficientes. A transição da administração pública para a privada, que vem ocorrendo em diversos estados, tem possibilitado ganhos expressivos em capacidade de investimento e modernização dos processos. A eliminação de travas burocráticas e o uso mais estratégico e estruturante dos recursos têm permitido acelerar obras e entregar resultados em menor tempo. Esse modelo, de acordo com estudos atualizados do setor, vai movimentar boa parte do investimento previsto para alcançar a universalização dos serviços no Brasil – uma cifra da ordem de R$ 900 bilhões, voltada à modernização e expansão dos serviços de água e esgoto. A constatação prática é que, quando bem estruturada, a gestão privada tem se mostrado uma aliada importante para ampliar o acesso ao saneamento, reduzindo desigualdades regionais e fomentando o desenvolvimento urbano sustentável.

Desafios no controle de perdas hídricas

Um ponto muito sensível da operação é o controle de perdas hídricas. O Brasil ainda registra índices médios de perda acima de 40% em muitos sistemas de distribuição, o que significa que quase metade da água tratada se perde antes de chegar às residências. Para reverter esse quadro, é fundamental investir em tecnologias de monitoramento, identificação de vazamentos e reparo rápido. Ferramentas como sensores, algoritmos e imagens de satélite vêm sendo utilizadas para modernizar operações e mapear vazamentos ocultos com precisão. No Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro, por exemplo, o uso de um satélite israelense tem contribuído de maneira decisiva na detecção de perdas subterrâneas com base na variação da umidade do solo. É uma mudança de paradigma: cada litro economizado é um reforço na resiliência hídrica e na sustentabilidade do sistema.

Planejamento resiliente frente aos desafios climáticos

O desafio, no entanto, não se resume à eficiência operacional. A realidade climática impõe uma nova camada de complexidade ao setor. Enchentes, estiagens prolongadas e eventos extremos deixaram de ser exceção e passaram a fazer parte do cotidiano das operações. Isso exige uma revisão completa da lógica com que os sistemas de abastecimento e coleta foram concebidos. Em vez de operar apenas com base em médias históricas, é preciso considerar os extremos, e o conceito de planejamento torna-se mais do que crucial para uma operação bem-sucedida. Isso significa projetar sistemas capazes de resistir a eventos severos, recuperar-se rapidamente e manter a continuidade dos serviços.

Essa necessidade ficou evidente no Rio Grande do Sul em 2024, quando o estado enfrentou um dos mais fortes eventos climáticos de sua história. O impacto nas redes de saneamento foi profundo, mas também gerou uma inflexão estratégica. A partir desse episódio, nos debruçamos sobre a construção de um plano de resiliência climática inédito, com foco na prevenção de danos futuros, maior robustez dos sistemas e continuidade operacional durante períodos críticos. É um exemplo de como os gestores podem — e devem — incorporar o fator climático ao planejamento estrutural do saneamento.

A universalização depende de compromisso e inovação

A evolução do acesso a água e esgoto no Brasil depende, em última instância, da articulação entre conhecimento técnico, capacidade de investimento e compromisso com a realidade dos territórios. Ela exige soluções sob medida, visão de longo prazo e disposição para enfrentar os desafios com pragmatismo e inovação. A troca de experiências entre profissionais do setor, o uso inteligente da tecnologia e a integração de diferentes saberes são caminhos promissores para acelerar essa transformação. Cinco anos depois da sanção do Marco Legal do setor, sabemos que expandir redes é fundamental, mas já não basta – é preciso construir sistemas inteligentes, sustentáveis e preparados para o futuro. Essa é a verdadeira universalização.

*Leandro Marin é vice-presidente Regional Sul do Grupo Aegea*

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