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Opinião: entender a diferença entre PPPs e privatização é fundamental para o debate sobre educação

Entender a diferença fundamental entre privatização e PPPs é o primeiro passo para promover um debate de qualidade no ensino público brasileiro

As PPPs não existem para curar um sistema. Seu uso exige rigor técnico, transparência e participação social (FG Trade/Getty Images)

As PPPs não existem para curar um sistema. Seu uso exige rigor técnico, transparência e participação social (FG Trade/Getty Images)

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Publicado em 12 de junho de 2025 às 10h00.

Por Paulo Henrique de Oliveira*

Por muito tempo, o Brasil tratou as Parcerias Público-Privadas (PPPs) com certo receio, seja por desinformação, seja por resistência ideológica. Mas diante do cenário dramático da educação pública brasileira, em que as metas estabelecidas há dez anos, no último Plano Nacional de Educação (PNE), não foram atingidas, não há mais espaço para hesitação: precisamos encarar as PPPs como uma ferramenta estratégica, eficaz e urgente. E mais do que isso: precisamos desmistificar, de uma vez por todas, o que são, de fato, essas parcerias.

Impressiona que no debate público ainda se refiram a PPP como sinônimo de privatização, como se delegar parte da execução de políticas públicas a entes privados fosse uma renúncia ao papel do Estado. Não é. Uma PPP bem estruturada mantém o Estado como planejador, regulador e fiscalizador do serviço. O que muda é a lógica da entrega: sai o improviso, entra o contrato com metas, indicadores e obrigações mútuas.

O papel do setor privado na educação pública

O tema educação, para muitos, ainda parece intocável no que diz respeito à presença do setor privado. Mas avalio que, se bem estruturadas e supervisionadas, essas parcerias não apenas respeitam o papel do Estado na oferta da educação e a autonomia dos docentes na adoção dos métodos e práticas de ensino como também potencializam sua capacidade de entrega. E isso é o que importa para milhões de crianças e jovens que, hoje, enfrentam salas de aula com infraestrutura precária, ausência de conectividade e falta de materiais básicos.

Dados do Censo Escolar 2023 revelam que 37% das escolas públicas de ensino fundamental ainda não têm acesso adequado à internet. Mais de 12 mil sequer têm biblioteca. Há instituições onde o esgoto corre a céu aberto, sem quadra esportiva, sem refeitório. Como falar em aprendizagem com dignidade nessas condições? É inaceitável que o país do futuro continue empurrando a aprendizagem, formação e futuro de seus estudantes para um canto escuro da agenda pública.

As PPPs representam uma oportunidade concreta para mudar esse cenário com agilidade. Por meio delas, é possível construir e modernizar escolas, instalar sistemas de conectividade, garantir manutenção contínua e até introduzir tecnologias de apoio à aprendizagem. E tudo isso com metas claras, prazos definidos e supervisão pública rigorosa. E mais: sem depender do orçamento público na sua forma tradicional, tão sujeito a cortes e contingenciamentos.

Mas eu defendo ir além da infraestrutura. Se quisermos, de fato, dar um salto qualitativo na educação pública, o Estado precisa usar as PPPs também como alavancas de inovação pedagógica. Um exemplo concreto é incluir, desde o início dos projetos, ferramentas e programas voltados ao desenvolvimento socioemocional dos alunos, especialmente aqueles focados na Educação Infantil e no Ensino Fundamental I.

Estudos da OCDE mostram que competências como empatia, resiliência, autocontrole e colaboração estão diretamente associadas ao melhor desempenho acadêmico. Pesquisas brasileiras, como as conduzidas pela Fundação Lemann, também apontam que o desenvolvimento socioemocional contribui para reduzir a evasão escolar, melhorar o clima em sala de aula e aumentar o engajamento dos estudantes.

Desmistificando as PPPs no contexto educacional

Ainda assim, há quem veja nesse tipo de iniciativa uma ameaça ao papel do professor ou uma suposta “privatização” do ensino. Porém, essa é uma visão equivocada e retrógrada. Ferramentas de apoio não substituem o trabalho pedagógico, mas sim o fortalecem. E vou além: são implementadas sob diretrizes públicas, com avaliação de impacto e com formação continuada para os profissionais da educação. A escola continua sendo escola, mas se torna mais completa, mais preparada para formar cidadãos plenos.

As escolas devem ser encaradas não apenas como espaços de alfabetização. Elas precisam ser centros de formação humana, como determina o artigo 205 da Constituição Federal: "A educação visa ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho." É hora de dar vida a esse princípio com coragem e pragmatismo.

O futuro das PPPs na educação pública

E desmistificar as PPPs, nesse contexto, é um passo essencial. Significa compreender que o setor privado não só pode como deve atuar como parceiro na construção de soluções públicas, sem jamais substituir o Estado, mas sim conceder suporte onde ele precisa de escala, eficiência e inovação. PPPs não podem ser vistas como atalhos, mas como caminhos planejados.

As PPPs não existem para curar um sistema. Seu uso exige rigor técnico, transparência e participação social. Mas elas podem ser muito mais do que soluções emergenciais para problemas estruturais. Podem ser instrumentos de apoio na transformação da qualidade do ensino público brasileiro. Para isso, é necessário abandonarmos os preconceitos infundados. Por isso, proponho que passemos a julgá-las não pela ideologia, mas pelos resultados que oferecem.

A educação pública brasileira não pode mais esperar. E nós, como cidadãos, não podemos mais adiar as decisões difíceis. Está na hora de agir com seriedade, responsabilidade e visão de futuro. As PPPs bem desenhadas, com inovação e foco nos alunos, precisam fazer parte dessa nova etapa.

*Paulo Henrique de Oliveira é Conselheiro de Governança e Inovação e Conselheiro Social. Foi Diretor Executivo da Accenture responsável pela prática de Serviços Públicos, com atuação em modelagem de Parcerias Público-Privadas e Concessões em Infraestrutura Social.

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