Para traduzirmos nossa vantagem energética em protagonismo internacional durante a COP30, precisamos de uma estratégia integrada que articule de forma efetiva política, tecnologia e mercado. (Getty Images/Bússola)
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Publicado em 27 de agosto de 2025 às 07h00.
*Por Max Xavier Lins
O Brasil detém uma das matrizes energéticas mais abundantes e limpas do mundo. Em geração elétrica, atingimos 88,2% de renovabilidade, com eólica e solar representando 23,4% e em intensa evolução nos últimos 10 anos, segundo o Balanço Energético Nacional 2025.
O relatório, que traz dados de 2024, mostra ainda que 50% da composição geral da matriz é renovável. Nossa vantagem energética frente a outros países é incontestável. Contudo, para traduzirmos esses números em protagonismo internacional durante a Conferência sobre Mudanças Climáticas (COP30), precisamos de uma estratégia integrada que articule de forma efetiva política, tecnologia e mercado.
O hidrogênio verde, que está em ascensão e deve movimentar US$ 320 bilhões no mundo até 2030 pelas projeções da Thymos Energia, tem terreno livre no Brasil. O fornecimento do combustível para o mercado é influenciado por disponibilidade do potencial de energia elétrica renovável e oferta do recurso hídrico, abundantes no país. A estimativa é que circulem US$ 25 bilhões de investimentos no mercado nacional, mais da metade dos US$ 48 milhões previstos para toda América Latina e o correspondente a 7,8% em termos globais.
Muitas vezes, a estratégia de exportação é colocada como prioridade para este mercado, o que é economicamente inviável. Precisamos inverter a lógica: o hidrogênio verde produzido no Brasil deve ser consumido internamente. É essencial estimular a instalação de indústrias energointensivas e cadeias produtivas que utilizem o insumo. O caminho do sucesso é direcionar esforços para promover reindustrialização sustentável, gerar empregos e desenvolvimento tecnológico.
A transição energética é outro debate para levar à COP30. Nossa matriz é robusta, diversa, abundante e com enorme potencial de evolução. Poderíamos abordar desde fontes não-renováveis (petróleo e gás natural) às renováveis (eólica, solar e biomassa). Mas, equivocadamente, quase sempre centralizamos a discussão sob a perspectiva de fontes limpas, sobretudo eólica e solar, em um viés “europeizado” do assunto.
Para que a transição seja sustentável no largo prazo, é crucial garantirmos a estabilidade e a segurança eletroenergética do sistema. Nesse sentido, a geração de eletricidade a partir do uso de gás natural e outros combustíveis de transição – biomassa renovável, biodiesel, entre outros –, é uma necessidade que se impõe.
Embora o balanço anual da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) mostre que a fonte hidráulica ainda é majoritária na matriz elétrica brasileira, com 55,3%, outras vêm aumentando rapidamente sua participação, como eólica (14,1%), solar (9,3%). Essa rápida expansão da geração de eletricidade lastreada na sua maioria em fontes intermitentes implica novas condições de contorno, sobretudo técnicas e comerciais, tornando a operação do sistema elétrico cada vez mais desafiadora para o Operador Nacional do Sistema (ONS).
O contexto atual do setor exige que a expansão de renováveis intermitentes – solar e eólica – seja adequadamente acompanhada a novas fontes firmes, oferecendo ao sistema mais motorização e inércia girante para atender as rampas de carga, cada vez mais acentuadas, garantir a estabilidade dinâmica do sistema. Nesse cenário, a geração a partir do gás natural ganha mais visibilidade e importância, na medida em que deve atuar complementarmente às fontes intermitentes.
É tecnicamente inviável ancorar a operação de um sistema elétrico apenas em fontes intermitentes. A estabilidade e a confiabilidade do fornecimento de eletricidade dependem estruturalmente de fontes firmes, como hidreletricidade e o gás natural – o combustível da transição energética – especialmente em momentos em que o vento e o sol estão indisponíveis. Daí, a urgência de leilões de reserva de capacidade, com o funcionamento de térmicas a gás e outros combustíveis fósseis para complementar a demanda em momentos de escassez hídrica, baixa produção de fontes intermitentes ou atendimento das rampas de carga.
A COP30 traz a oportunidade para mostrarmos a qualidade de recursos renováveis, o patamar que já atingimos, o potencial de nossa cadeia energética e as inúmeras possibilidades que isso representa para a sustentabilidade ambiental e as diversas cadeias produtivas. Temos condições de apresentar de forma madura, estruturada e serena que as conquistas são fruto de uma construção coletiva e consistente.
Por outro lado, é um processo contínuo de desenvolvimento, que carece de reformas estruturais e alinhamento entre o discurso e a prática. Em resumo, o país tem base, recursos e experiência. Agora é preciso coragem para traduzir essa vantagem em liderança real no cenário global.
*Max Xavier Lins, CEO do Grupo Delta Energia, é engenheiro eletricista pós-graduado em Sistemas de Potência e possui MBA em Finanças. É uma das principais referências no setor elétrico brasileiro, já tendo atuado em destacadas e grandes empresas brasileiras e estrangeiras, implementando transformações estruturais e modernização tecnológica.