Geração distribuída: energia solar cresce no Brasil e exige nova coordenação entre ONS e DSOs. (Adobe Stock)
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Publicado em 24 de novembro de 2025 às 15h00.
Por Joyce Mendez*
Enquanto Belém recebe a COP30, a atenção mundial se volta para a América Latina, uma das regiões com as matrizes energéticas mais “limpas” do planeta, e para a forma como ela responderá aos novos riscos climáticos. Mas, hoje, a energia renovável, especialmente a hidrelétrica, que transformou o continente em líder global em fontes renováveis, tornou-se vulnerabilidade.
Cerca de 68% da capacidade instalada da região vem de fontes renováveis, e quase metade — mais de 45% — é gerada pela força da água. Mas o clima está mudando as regras do jogo: secas prolongadas, provocadas por El Niño e outros fenômenos, reduzem cada vez mais a eficiência das hidrelétricas e comprometem a distribuição. Aquilo que era uma vantagem estratégica tornou-se o elo fraco do sistema.
A alteração nos regimes de chuva tornou essas fontes menos previsíveis. Em 2021, o Brasil enfrentou a pior estiagem em 91 anos, levando reservatórios a níveis críticos. O país precisou importar energia e acionar emergencialmente térmicas fósseis, mais caras e mais emissoras, para evitar apagões. No mesmo período, o Chile recorreu ao gás argentino para compensar a falta de geração hidráulica.
Esses episódios mostram que, quando a chuva falta, a eletricidade também pode faltar.
Durante a COP30, esse risco ganhou uma dimensão adicional. Lideranças indígenas alertam para o fato de que fontes renováveis não são automaticamente sustentáveis e que a expansão de hidrelétricas, eólicas e solares, quando feita sem planejamento adequado, amplia conflitos e pressiona comunidades vulneráveis.
Assim, além da variabilidade climática, emerge um segundo desafio: garantir que a transição energética reduza emissões sem aprofundar desigualdades.
E é justamente a demanda por baixa ocupação territorial que torna estratégicas as alternativas de geração de energia firme, aquela produzida de forma contínua, em qualquer condição climática.
A energia nuclear, especialmente por meio dos pequenos reatores modulares (SMRs), apresenta vantagens estruturais que respondem a esses desafios: ajuda a diversificar a matriz, fortalece a resiliência dos sistemas elétricos e reduz a dependência hídrica.
Além disso, possibilita a instalação em locais já antropizados, evitando deslocamento de famílias, reduzindo disputas fundiárias e oferecendo eletricidade estável.
Argentina, Chile, Colômbia e Brasil já estudam a aplicação desses pequenos reatores, e a experiência russa comprova sua viabilidade. Desde 2020, a usina flutuante Akademik Lomonosov abastece a cidade de Pevek, no Ártico, e em 2028 entrará em operação o primeiro SMR terrestre na Yakútia, com 55 MW de potência, baseado no reator RITM-200N.
A gigante russa Rosatom se apoia nesse know-how para propor, na América Latina, projetos completos que incluem tecnologia, engenharia, suporte regulatório, capacitação local e integração com renováveis.
Integrados a solar, eólica e hídrica, e sustentados por gás de transição e baterias, os SMRs podem fornecer a base firme que estabiliza o sistema, reduz a volatilidade de preços e assegura energia 24 horas por dia, mesmo durante secas severas ou ondas de calor.
A América Latina reúne todas as condições para liderar uma transição energética inteligente, que una sustentabilidade, segurança e inovação. Mas, para isso, precisa ir além da expansão das renováveis e construir uma base firme e previsível, que garanta energia constante na rede, sendo ambiental e socialmente responsável.
*Joyce Mendez Diretora do Observatório Latino-Americano de Geopolítica da Energia e ex-conselheira jovem para o clima do Secretário-Geral das Nações Unidas (2023–2024).