Não é só a carga horária exaustiva e as cobranças incessantes – é o impacto na saúde mental, nas relações pessoais e na qualidade de vida (Freepik/Divulgação)
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Publicado em 6 de março de 2025 às 15h00.
Por Valéria Oliveira*
Algo curioso está acontecendo no mercado de trabalho: pessoas em cargos estratégicos, diretores, vice-presidentes e até CEOs estão pedindo demissão por razões que, há alguns anos, seriam vistas como secundárias – Os números já mostram a tendência. E os pedidos de demissão seguem confirmando.. A pergunta que fica é: por que profissionais que passaram décadas construindo carreiras robustas estão, agora, abrindo mão de posições de prestígio e altos salários?
A resposta não é simples, mas um fator é inegável: o custo de se manter em um ambiente inflexível, tóxico e que ignora os riscos psicossociais está alto demais. O burnout virou uma epidemia silenciosa. De acordo com a International Stress Management Association (ISMA-BR), o Brasil é o segundo país com maior incidência de burnout no mundo, atrás apenas do Japão. E esse problema, que já era grave, se intensificou nos últimos anos, atingindo não só a base da pirâmide corporativa, mas também o topo.
Se antes a ideia era “chegar ao topo” e segurar a posição pelo máximo de tempo possível, agora muitos líderes percebem que esse posto tem um preço alto demais. Não é só a carga horária exaustiva e as cobranças incessantes – é o impacto na saúde mental, nas relações pessoais e na qualidade de vida. O “sempre disponível”, que antes era visto como sinônimo de comprometimento, hoje é um bilhete para um esgotamento sem volta.
Um dos principais motivos que levam esses profissionais a pedirem demissão é a falta de flexibilidade. A pandemia provou que o trabalho remoto e híbrido são viáveis para muitas funções e os executivos também sentiram esse impacto. No entanto, o que se vê no mercado é uma forte resistência de algumas empresas em manter esse modelo.
A 15ª edição do guia salarial da Robert Half também aponta que 43% dos profissionais valorizam mais os benefícios da flexibilidade no trabalho do que o próprio salário ao avaliar uma oportunidade de emprego. Isso porque, mesmo no topo, a sensação de aprisionamento ao escritório, de reuniões intermináveis e de um modelo de gestão arcaico tem gerado um desgaste mental insustentável.
Muitos desses profissionais chegam a um ponto em que a escolha se torna evidente: seguir em um sistema que cobra cada vez mais, mas entrega cada vez menos qualidade de vida, ou abrir mão do status e do salário alto em troca de uma vida mais equilibrada. Cada vez mais, a segunda opção tem vencido.
A pressão excessiva no ambiente corporativo não é um problema novo, mas o reconhecimento disso como um risco à saúde dos trabalhadores é algo que começa a ganhar força agora. Recentemente, o governo federal atualizou a NR-01 para incluir os riscos psicossociais no trabalho.
Isso significa que, pela primeira vez, fatores como excesso de trabalho, pressão desproporcional, assédio moral e falta de suporte emocional são reconhecidos oficialmente como elementos que afetam a saúde dos trabalhadores. Essa mudança obriga as empresas a repensarem suas políticas internas e a considerarem seriamente o impacto da cultura corporativa na saúde mental dos funcionários – inclusive dos líderes.
Além disso, a reconstituição da Comissão Nacional Permanente do Benzeno reforça a necessidade de um olhar mais atento para os riscos ocupacionais, não apenas físicos, mas também emocionais. Mas será que apenas regulamentar basta?
A geração que está no topo hoje – executivos entre 40 e 55 anos – cresceu profissionalmente em uma cultura que glorificava jornadas extenuantes e sacrifícios pessoais em nome do sucesso. Muitos desses profissionais passaram décadas acreditando que o caminho para a estabilidade e o reconhecimento era trabalhar até a exaustão. Agora, veem que essa mentalidade tem um custo altíssimo.
A ironia é que são esses mesmos executivos que agora buscam alternativas para uma vida mais equilibrada. Muitos optam por consultorias, trabalhos autônomos ou posições menos exigentes em empresas que valorizam o bem-estar real e não apenas como um discurso bonito em campanhas de employer branding.
O que fica claro nesse movimento é que, diferentemente do que se imaginava, não são apenas os jovens da Geração Z que estão repensando o mundo corporativo. Os líderes mais experientes, que já viveram o pior do modelo tradicional, estão entre os que mais querem mudanças. E, se as empresas não se adaptarem a essa nova realidade, correm o sério risco de perder seus melhores talentos.
A pergunta que fica é: se até mesmo os cargos mais altos estão se tornando insustentáveis, o que isso diz sobre o futuro do trabalho? Se os próprios líderes – aqueles que deveriam inspirar, guiar e sustentar as empresas – estão pedindo para sair, talvez seja hora de parar e reavaliar o que, de fato, está acontecendo dentro das organizações.
*Valéria Oliveira é especialista em desenvolvimento de líderes e gestão da cultura
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