Entre 2006 e 2023, a obesidade aumentou em 105,9% (Tim Robberts/Getty Images)
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Publicado em 17 de outubro de 2023 às 14h52.
A escalada da obesidade no Brasil está diretamente ligada ao aumento no consumo de alimentos hipercalóricos, de bebidas alcoólicas em excesso e ao baixo índice de atividade física da população. É o que mostram estudos de 2023, realizados pelo Ministério da Saúde e a Fundação Getúlio Vargas (FGV), sobre esta que é considerada a grande epidemia do fim do século 20 e começo do século 21.
De acordo com a Vigitel Brasil: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico, o fenômeno atingia, em média, 19,8% da população adulta em 2021. Este ano, o percentual alcança um quarto dos cidadãos acima dos 18 anos.
Para Márcia Terra, diretora da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição (SBAN), a ampla análise da literatura internacional e de documentos mais recentes dos principais organismos mundiais apontam para causas de múltiplas dimensões da obesidade. "Não se trata de um problema com um único causador, como algumas instituições se apressam em apontar", explica a nutricionista. "No Brasil, o consumo de bebidas açucaradas, por exemplo, vem reduzindo, mas, na contramão, o percentual da população classificada como obesa só cresce", exemplifica.
Dados da Vigitel Brasil 2023 mostram que a frequência de adultos pesquisados que declararam o consumo de refrigerantes em cinco ou mais dias da semana variou entre a mínima de 7,0% em Salvador e a máxima de 24,1% em Curitiba. De 2007 a 2023, houve uma redução de 51,8% no consumo regular de refrigerantes. Na contramão desse dado, a obesidade aumentou em 105,9% no país, de 2006 a 2023. "Este não pode ser um marcador para alimentação. Não é o refrigerante o problema, é o alto consumo de caloria. Se como muita pizza, mesmo que eu não beba açucarados, eu vou engordar", explica Terra.
A pesquisa é realizada desde 2006 e apresenta um retrato da população brasileira sobre fatores de proteção e de risco para o desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), como hábitos alimentares, prática de atividades físicas, uso de telas, realização de exames preventivos de alguns tipos de câncer, uso nocivo de álcool, tabagismo, além de abordar DCNTs já instaladas, como diabetes e hipertensão.
O estudo Obesidade e Consumo das Famílias Brasileiras - Diagnóstico e Implicações para Políticas Públicas, da Escola de Economia de São Paulo (EESP) da FGV analisa a relação da obesidade com questões econômicas. Segundo o texto, por padrão, alguns poucos produtos (com diversas exceções) são eleitos como vilões, "em um debate em que parece prevalecer a mobilização de opinião pública em detrimento das considerações de natureza nutricional", aponta o texto, que a obesidade é um fenômeno complexo e multifacetado e eleger poucos itens do consumo alimentar como vilões mimimiza e simplifica a discussão.
"A partir dos dados da Vigitel, o documento aponta que a comida não seria o ponto crítico para o sobrepeso, mas sim o conjunto de fatores do cotidiano como trabalho, sedentarismo, perigos da cidade, tempo de tela, depressão. E tem a bebida alcoólica, que ninguém tá chamando atenção para o crescimento do consumo, que já é sobretaxado no país", comenta a diretora da SBAN.
A abordagem se mostra ineficiente em todo o mundo porque seus efeitos são facilmente mitigados pela substituição de um bem escolhido pela legislação por outro não abrangido, de igual ou pior conteúdo calórico. "O cidadão pode simplesmente mudar de uma marca para outra mais barata. Aumentar impostos já falhou comprovadamente dentro da experiência internacional", assinala.
Outro viés vem do estudo da FGV: "Fala-se muito em tributar menos os sucos naturais, mesmo cientes de que esses também possuem alto teor de açúcar. A título de ilustração extrema, caldo de cana é um suco natural. A ingestão de sucos naturais de diversas outras frutas, como de melancia e de laranja, tem acelerada absorção de açúcares no sangue. Ainda vale o registro do alto teor de agrotóxico presente em frutas, verduras e legumes no Brasil." Para pesquisadores, a dificuldade no uso de uma tributação muito específica está relacionada à limitação de sua intervenção em relação à alimentação como um todo, seu caráter regressivo e pouco educativo, ao contrário de abordagens mais abrangentes.
"Quando se trata de um tributo específico e seletivo como o de bebidas adoçadas ou alimentos hipercalóricos, não se encontrará, na experiência internacional, um exemplo tão abrangente a ponto de contemplar todos os produtos com elevado teor de açúcar, de sal e de gorduras", diz.
O relatório da FGV apresenta um detalhado estudo sobre prevalência da obesidade no Brasil, a partir de banco de dados conforme a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), edições de 2013 e 2019, produzida pelo IBGE, em convênio com o Ministério da Saúde, e da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), em sua última edição de 2018.
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