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O que fez 28 startups brasileiras se tornarem unicórnios

Brasil marca presença no Top 10 do ranking dos países com mais unicórnios no mundo, com 28 startups brasileiras já tendo alcançado este status

Tornar-se um unicórnio é o sonho da maior parte das startups (Google/Divulgação)

Tornar-se um unicórnio é o sonho da maior parte das startups (Google/Divulgação)

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Publicado em 31 de março de 2022 às 12h09.

Última atualização em 31 de março de 2022 às 13h04.

Por Guilherme Enck*

Tornar-se um unicórnio é o sonho da maior parte das startups. Porém, sabemos que as empresas que conseguem alcançar esse título são quase tão raras quanto o animal mitológico que as homenageia. Afinal, cunhada por Aileen Lee, uma investidora de startups do Vale do Silício, a alcunha é reservada àquelas poucas que conseguem atingir o valor de mercado de US$ 1 bilhão.

Ainda que o nosso país apresente uma série de mazelas econômicas e sociais comuns às sociedades menos desenvolvidas, o segmento de tecnologia e inovação surpreende pela sua pujança. Com efeito, o Brasil marca presença no Top 10 do ranking dos países com mais unicórnios no mundo, com 28 startups brasileiras já tendo alcançado este status.

Velocidade do mercado

Não é segredo para quem acompanha o mercado que o Brasil possui um conjunto de características favoráveis ao desenvolvimento de startups: um dos maiores mercados consumidores do mundo — número um da América Latina; a alta penetração de dispositivos móveis com acesso à internet na população; barreiras de entrada a competidores externos — tanto econômicas e regulatórias quanto culturais; além de um povo empreendedor, acostumado a usar a criatividade para bolar novas soluções para problemas do dia a dia.

Contudo, o que vem surpreendendo a todos é a velocidade com que o segmento de inovação está se desenvolvendo. Em 2019, a 99 se tornou a primeira startup nacional a conquistar o status de unicórnio; ano passado, em meio à pandemia global, o Brasil ganhou nove novos empreendimentos digitais com valor de mercado superando US$ 1 bilhão. O ano de 2022 mal começou e a fintech mineira Neon foi anunciada como o primeiro unicórnio do ano.

Mas como o Brasil aprendeu tão rapidamente a criar unicórnios? Qual é o segredo para startups alcançarem essa marca?

Foco em inovação

Diferente de um negócio tradicional, que está satisfeito em atender uma pequena parcela de um grande mercado (pense, por exemplo, em uma padaria, que está satisfeita em atender uma pequena fração do mercado de compradores de pães, provavelmente restrito ao bairro em que atua), uma startup nasce com o objetivo de dominar o seu mercado a nível global. A única forma de levar este plano a cabo em pouco tempo é possuindo diferenciais competitivos claríssimos frente aos seus concorrentes.

Há apenas um fator que pode criar esses diferenciais competitivos matadores: a inovação. Para ultrapassar a concorrência e conquistar a dominância, a startup precisa mudar completamente a forma como determinado produto ou serviço é consumido. Aqui bastam os exemplos clássicos: Uber mudando a forma como consumimos transportes privados e Netflix e Spotify alterando a maneira com que consumimos entretenimento.

A partir da conquista desse diferencial competitivo, a startup consegue criar um monopólio setorial. Normalmente, ela constrói o seu grande diferencial trazendo soluções que aumentam a acessibilidade a um determinado mercado, barateando o produto ou serviço e massificando o seu uso.

Foco em tecnologia

Apesar de intuitivamente já sabermos que a empresa que quiser vencer no mercado atual precisa ser intensiva em tecnologia, é indispensável compreendermos especificamente o porquê.

A forma mais efetiva de atingir o objetivo disposto acima de baratear, massificar, ou simplificar um produto ou serviço é através do uso intensivo de tecnologia da informação. Por isso, por trás de todo unicórnio existe a digitalização, a desmaterialização ou a automação de processos, de produtos ou de serviços.

Além disso, uso da tecnologia possibilita que o custo para essas empresas atenderem mil usuários ou um milhão de usuários, seja muito próximo — ou ao menos faz com que relação entre a receita marginal (receita a cada novo cliente) e o custo marginal (custo para atender um novo cliente) seja bastante favorável. Isso é o que chamamos de escalabilidade. E possuir um modelo de negócios escalável é condição essencial para que uma empresa possa crescer com velocidade e logo atingir o valuation de US$ 1 bilhão.

Não à toa, estudos feitos com os unicórnios globais mostram que quase 90% das empresas que atingiram este patamar trazem soluções ligadas a software. Além disso, um terço delas possui modelo de receita baseado na cobrança de uma taxa transacional ou comissão, o que significa que são empresas que podem operar com estruturas enxutas, pois normalmente fazem apenas a conexão da oferta já existente — ou a ser fornecida por um terceiro — com o lado da demanda.

Outra característica importantíssima na cartilha dos unicórnios é uma relação favorável entre o custo de aquisição de clientes (o famoso CAC; indicador que congrega todos os custos de marketing e divulgação para determinar quanto a empresa está gastando para atrair cada cliente único) e a métrica conhecida com lifetime value (LTV; mede o total que um cliente único, em média, gera de receita para a empresa ao longo de seu ciclo como usuário).

A relação entre LTV e CAC é fácil de ser compreendida: se a startup “paga” um valor x pelo seu cliente, deve conseguir extrair receita desse cliente ao menos para esse cliente pelo menos em um montante igual a x para empatar. Mas idealmente a empresa deve buscar fazer três, cinco, dez ou mais vezes o custo de aquisição do cliente em receita a partir deste usuário.

Chamamos esses indicadores de unit economics, e a ordem de grandeza dessa relação nos dá uma dimensão do quão rápido podemos crescer, e o quão lucrativa uma empresa pode vir a ser. Se a relação for muito favorável, é aqui que os investidores se sentirão confortáveis em aportar montanhas de dinheiro no crescimento da startup, pois sabem que para cada real seu gasto em crescimento, a empresa ganhará vários reais em receitas.

Com efeito, as startups que se tornam unicórnio passam por sucessivas rodadas de investimento, utilizando a maior parte desses recursos para crescer a sua base de usuários. Nesse momento, a startup não está preocupada em dar lucro, mas sim em catapultar as suas receitas, muitas vezes inclusive incorrendo durante anos em prejuízos operacionais para levar a cabo essa estratégia.

Certamente os nossos unicórnios passam por uma série de outros desafios. Construir um produto amigável ao usuário, possuir um propósito claro, coletar feedback constante, atrair talentos e contratar com qualidade, montar uma cultura organizacional saudável e orientada à performance, ser cauteloso quanto aos termos e as diluições das rodadas de captação de recursos são alguns outros fatores que demandam um cuidado especial. Entretanto, o uso de tecnologia para simplificar, massificar e baratear e para trazer a tão sonhada escalabilidade, além de uma vantajosa relação de LTV/CAC são condições sine qua non para que o nosso nascedouro de unicórnios continue a florescer.

*Guilherme Enck é cofundador da CapTable e da CapRate

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