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“O que estão chamando de ultraprocessados são alimentos do dia a dia das famílias”, diz ABIA

Presidente da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos, João Dornellas, fala sobre perspectiva do setor quanto a alimentos ultraprocessados

"A indústria investe consistentemente no desenvolvimento de novos processos, ingredientes, formulações", afirma o entrevistado (SolStock/Getty Images)

"A indústria investe consistentemente no desenvolvimento de novos processos, ingredientes, formulações", afirma o entrevistado (SolStock/Getty Images)

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Publicado em 13 de março de 2024 às 07h00.

Última atualização em 18 de março de 2024 às 10h53.

O governo federal publicou recentemente o decreto que estabelece as diretrizes da nova cesta básica para políticas e compras de governo, que exclui alimentos ultraprocessados. No centro dessa conversa está a indústria brasileira de alimentos, com 38 mil empresas de todos os tamanhos e diferentes origens, que produz 270 milhões de toneladas de alimentos por ano. De acordo com dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF/IBGE) de 2017 a 2018, 75,1% dos alimentos consumidos no Brasil são processados, considerando uma ampla gama de produtos.

Nós conversamos com João Dornellas, presidente executivo da ABIA (Associação Brasileira da Indústria de Alimentos), sobre pontos de vista da indústria quanto à classificação de alimentos “ultraprocessados”. 

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Qual é o posicionamento da ABIA em relação aos alimentos ultraprocessados?

João Dornellas: do ponto de vista da ciência e da tecnologia de alimentos, o que define a qualidade de um alimento é sua composição nutricional, e não a quantidade de processamentos. Essa nomenclatura de “ultraprocessados”, em sua concepção, apresenta o processamento como algo nocivo, que descaracteriza ou desqualifica um alimento, o que – de longe – não é verdade. 

Além do mais, coloca na categoria de “ultraprocessados” centenas de alimentos muito diferentes entre si, como pães, iogurtes, requeijão, molho de tomate, fórmulas infantis, produtos lácteos, proteínas, massas, cereais, molhos, sucos, compotas de frutas, doces, chocolates, cereais matinais, receitas pré-selecionadas e pré-cozidas, pratos prontos. Ou seja, o que estão chamando de ultraprocessados é quase tudo que nossas famílias têm em casa.

Sem contar que a classificação é tão ampla e subjetiva que vem sendo alvo de críticas cada vez mais duras da comunidade científica nacional e internacional, e já foi rechaçada por diversos países do mundo. Mas, no Brasil, é cada vez mais utilizada por ativistas da alimentação saudável, inclusive celebridades. 

O senhor acredita que a indústria é alvo de críticas desmedidas?

João Dornellas: esse discurso de “comida de verdade e comida de mentira”, “alimento bom e alimento ruim” é injusto com toda a população brasileira, além de irresponsável. A qualidade e a diversidade da alimentação só têm se expandido nas últimas décadas, como resultado da evolução do processamento, da ciência e da tecnologia de alimentos. A indústria trabalha com inovação, o que permite que tenhamos hoje uma grande diversidade de alimentos, com diferentes perfis nutricionais, que possam atender às mais variadas necessidades e preferências das pessoas. 

Os alimentos ultraprocessados e bebidas não alcoólicas poderão sofrer uma incidência de alíquotas mais elevadas com o imposto seletivo previsto na reforma tributária. Como o senhor avalia essa possibilidade?

João Dornellas: não acredito que nossas autoridades vão se deixar pressionar. A despeito da enorme dificuldade de se compreender o conceito, a sobretaxa, na prática, representaria comida mais cara na mesa de todos os brasileiros, com especial peso aos mais pobres, que são os que mais comprometem sua renda com alimentação. 

A população precisa ter mais acesso a frutas, verduras, legumes, cereais, proteínas para ter uma alimentação diversa e equilibrada, como preconiza a Organização Mundial da Saúde (OMS). Só que aumentar o preço de alimentos industrializados não vai fazer com que os outros fiquem mais acessíveis ou mais baratos. Também não há evidências de que a sobretaxação de determinados alimentos tenha tido impacto na qualidade da alimentação das pessoas, ou na redução de níveis de obesidade, onde foi aplicada. Essa é uma história que não vem sendo contada na íntegra. Os países que tomaram essa medida só fizeram sua população pagar mais caro, sem os efeitos de melhoria na saúde.

Essas discussões em torno dos ultraprocessados têm impacto no desenvolvimento de novas tecnologias no setor?

João Dornellas: a indústria investe consistentemente no desenvolvimento de novos processos, ingredientes, formulações. Somente ano passado, foram R$ 36 bilhões investidos em inovação. Temos hoje no País 38 mil empresas que produzem alimentos todos os dias, das quais 35 mil são micro e pequenas. Isso demonstra o potencial imenso de agregação de valor à produção de alimentos no Brasil. 

Desenvolver a indústria é uma das prioridades do Governo, só que essa tão questionada classificação de alimentos que criou o termo “ultraprocessado” acaba por fazer os mais incautos imaginarem que a inovação e a tecnologia aplicadas no desenvolvimento de novos produtos seja algo nocivo ou ruim.

Então, a pergunta seria: Por que inovar? Uma pequena cooperativa de leite que apostar na agregação de valor, na diversificação de portfólio e passar a produzir também requeijão, por exemplo, estaria teoricamente investindo em produto “ultraprocessado”? Infelizmente, essa terminologia criada só faz vilanizar quem trabalha sério e gera progresso, emprego e renda. 

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