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O novo planejamento familiar: estratégias na reprodução humana atual

Os médicos Dr. Francisco Furtado Filho, Dr. Rodrigo Furtado e o advogado Rafael Albuquerque explicam o novo papel dos procedimentos de reprodução humana na organização sucessória e preservação patrimonial

Os médicos Dr. Rodrigo Furtado e Dr. Francisco Furtado Filho (Reprodução)

Os médicos Dr. Rodrigo Furtado e Dr. Francisco Furtado Filho (Reprodução)

Rafael Albuquerque
Rafael Albuquerque

Colunista Bússola

Publicado em 24 de abril de 2025 às 07h00.

Por: Dr. Francisco Furtado Filho, Dr. Rodrigo Furtado e Rafael Albuquerque*

Vivemos uma transformação silenciosa, mas poderosa, nas formas de constituir família. A medicina reprodutiva, antes restrita a casos clínicos excepcionais, tornou-se parte essencial do planejamento familiar moderno. Hoje, mulheres e homens em diferentes fases da vida congelam óvulos e sêmen como parte de uma estratégia racional para garantir liberdade, preservar a fertilidade e, muitas vezes, proteger patrimônio. Ao mesmo tempo, o mercado de clínicas de reprodução cresce exponencialmente, atraindo investidores e consolidando-se como uma das verticais mais dinâmicas da saúde privada.

Doação de óvulos: uma alternativa solidária e financeiramente vantajosa

A doação de sêmen já é amplamente compreendida pela sociedade, mas pouco se fala da doação de óvulos — um gesto que pode ser transformador para outras famílias e vantajoso para a doadora. No Brasil, embora a legislação permita apenas a doação anônima e sem fins lucrativos, na prática, muitos programas vinculam a doação à viabilização de tratamentos para outras pacientes. Isso acontece, por exemplo, quando uma mulher jovem doa parte de seus óvulos e, em contrapartida, pode ter uma potencial redução de custos no procedimento de fertilização in vitro (FIV) — uma alternativa financeiramente viável e emocionalmente significativa.

O perfil de mulheres doadoras costuma incluir aquelas que já estão passando por tratamentos de reprodução assistida e desejam colaborar com outros casais. Dados de clínicas europeias, como grandes clínicas da Espanha, mostram números expressivos: mais de 800 ciclos de fertilização por mês - onde muitos envolvem gametas doados, com legislação que permite uma compensação financeira à doadora. Já no Brasil, as clínicas registram em média 400 ciclos anuais, número que poderia crescer com campanhas de conscientização, especialmente se focadas na preservação da fertilidade e solidariedade reprodutiva.

Importante destacar: a doação controlada de óvulos não diminui a reserva ovariana da mulher, quando feita com acompanhamento médico adequado. Ou seja, é um gesto que ajuda outras famílias sem comprometer o futuro reprodutivo da doadora.

Congelar hoje para escolher amanhã

Há uma nova geração de mulheres e homens que não querem ter filhos agora — seja por questões profissionais, emocionais ou simplesmente por ainda não terem encontrado a pessoa certa. Para eles, congelar óvulos ou sêmen é uma forma de postergar a decisão sem abdicar da possibilidade. No caso das mulheres, esse congelamento é ainda mais relevante, considerando a queda natural da fertilidade com o avanço da idade.

Para os homens, a prática também tem ganhado adeptos. Seja por uso prolongado de anabolizantes — que pode comprometer a produção de espermatozoides —, seja por desejo de realizar vasectomia em um momento da vida em que a paternidade não é desejada.

Um homem com patrimônio relevante, por exemplo, pode optar por congelar sêmen antes do procedimento de vasectomia, como estratégia de planejamento familiar e, em muitos casos, até de proteção patrimonial. Em caso de eventual mudança de vida ou formação de nova família, ele terá a opção preservada — sem necessidade de recorrer a procedimentos caros ou judicializações complexas.

Famílias em transformação

Além da postergação da maternidade e paternidade, novos modelos familiares — casais homoafetivos, produções independentes, segunda e terceira uniões — ampliam o escopo da medicina reprodutiva. Casais que se separam e querem ter filhos com novos parceiros, mulheres que desejam ser mães solo, homens que recorrem a barrigas solidárias no exterior: todos esses casos impulsionam a busca por bancos de sêmen, doação de óvulos e procedimentos como FIV e ICSI (injeção intracitoplasmática de espermatozoide).

A medicina reprodutiva se torna, assim, uma ferramenta de liberdade — e, ao mesmo tempo, de proteção e organização da vida familiar futura. Ao congelar gametas, casais e indivíduos reduzem a pressão do tempo biológico, planejam de forma racional e ganham flexibilidade frente às incertezas da vida.

Mercado em expansão e atração de investidores

O mercado global de reprodução assistida deve atingir cerca de US$ 47,9 bilhões até 2030, segundo projeção da Precedence Research, com uma taxa média de crescimento anual (CAGR) estimada em 4,7%. Esse número reflete o avanço constante da demanda por tratamentos de fertilidade em todo o mundo.

No Brasil, a demanda cresce a taxas de dois dígitos ao ano, impulsionada pelo adiamento da maternidade, aumento de casos de infertilidade, mudanças nos arranjos familiares e maior acesso a informação. Esse cenário atraiu investidores e gerou um ciclo ativo de fusões e aquisições. O caso mais emblemático é a fusão entre os gigantes IVI (Espanha) e RMA (EUA), que formaram a maior rede mundial de reprodução humana. No Brasil, fundos de private equity e grupos hospitalares têm ampliado participação em clínicas especializadas, enxergando nesse nicho um potencial de longo prazo, com alta rentabilidade e baixa sensibilidade a crises econômicas.

Além disso, o setor reúne características raras no ambiente da saúde: demanda recorrente, pagamentos majoritariamente privados e possibilidade de escalabilidade com uso de tecnologia e padronização de protocolos. São atributos que tornam as clínicas de fertilidade atrativas tanto para investidores estratégicos quanto para fundos que buscam diversificação com impacto social.

Desafios futuros

O novo planejamento familiar vai muito além de tabelas e anticoncepcionais. É estratégico, científico e consciente. Congelar óvulos ou sêmen, doar para outras famílias, investir em liberdade e organizar o futuro não são mais decisões isoladas — fazem parte de um ecossistema que une saúde, tecnologia, solidariedade e retorno financeiro. Num mundo de incertezas, ter a possibilidade de escolher o tempo certo para formar uma família é um ativo poderoso — e cada vez mais acessível.

Nos próximos anos, o desafio será democratizar esse acesso e conscientizar sobre o impacto transformador de ações como a doação de óvulos. A fertilidade pode, sim, ser um ato de amor, de liberdade, mas também de planejamento familiar e patrimonial.

Autores:

Dr. Francisco Furtado Filho é Médico pela PUC-PR ginecologista e obstetra pela Santa Casa de Curitiba diretor médico da Clinica Fertway Reprodução Humana em Curitiba desde o ano 2000.

Dr. Rodrigo Guimarães Furtado é Médico pela Faculdade Evangélica Mackenzie do Paraná e Ginecologista e Obstetra pelo Hospital Nossa Senhora das Graças.

Rafael Gonçalves de Albuquerque é advogado, sócio do Marins Bertoldi Advogados, fundador da gestora Catalysis Wealth e colunista da Bússola Exame.

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