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O “inverno” chegou para as startups, mas ele não é tão frio assim

Cadeias de suprimentos prejudicadas pela pandemia e liquidez injetada pelos governos em políticas assistencialistas contribuíram para a crise

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Publicado em 15 de julho de 2022 às 19h10.

Nas últimas semanas, uma série de comunicados de grandes investidores a sua investidas, entre elas a carta da Y Combinator e a apresentação da Sequoia, viraram o mercado de startups de cabeça para baixo. Nesses materiais os investidores, que estão entre os mais renomados, traziam a má notícia de que a captação de recursos ficaria mais difícil e a recomendação era preservar o caixa. Como reflexo desse novo cenário, grandes startups e empresas de tecnologia começaram a enxugar seus quadros de colaboradores.

Unicórnios como Mercado Bitcoin, Vtex, Olist, QuintoAndar, Loft, Kavak e Facily estão entre essas empresas. Segundo o site layoffsbrasil.com, só nos últimos três meses foram mais de 1.600 profissionais desligados de cerca de 20 empresas. De acordo com o jornal Estado de São Paulo, as empresas têm reduzido entre 5% e 7% dos funcionários, atingindo centenas de colaboradores em todo o Brasil. Mas esse movimento não é apenas local, segundo o site layoffs.fyi, só em 2022 foram mais de 38 mil funcionários de startups e empresas de tecnologia demitidos.

Mas, qual foi o erro de cálculo que essas startups fizeram para estarem nesse cenário de demissões em massa?

Basicamente no mundo inteiro existe um cenário onde as cadeias de suprimentos foram prejudicadas pela pandemia, somado a uma liquidez gigante injetada pelos governos em políticas assistencialistas para tentar amenizar os efeitos da pandemia, gerando, além de outras coisas como a guerra na Ucrânia, por exemplo, um cenário de forte inflação global.

A alta da inflação leva a uma elevação das taxas de juros por parte dos Bancos Centrais que, aliada a um cenário global conturbado de maior risco, torna natural que os investidores migrem para produtos de renda fixa ou mais tradicionais, pois essas alternativas possuem um menor risco e começam a ser mais rentáveis por conta dessa elevação da taxa de juros.

Esse cenário, de migração para a renda fixa e migração das ações de growth para ações de value, acabou impactando fortemente as ações de tecnologia, fechando uma possível janela para IPOs e impactando também os múltiplos para o mercado do late stage, ou seja,  das startups mais maduras e que estão mais próximas do IPO. Já o early stage, ainda está mais protegido, como mostram os dados do Crunchbase – o volume de investimentos em rodadas anjo e seed tiveram um crescimento de 11% em relação a 2021 – mas é natural que esse movimento de redução de volumes e valuations chegue também nessa parte da cadeia.

Com esse panorama, é natural que startups antes focadas em rápido crescimento e se apoiando em grandes rodadas para isso, comecem a priorizar a rentabilidade e a manutenção do caixa, eventualmente fazendo cortes de funcionários.

Então a fonte secou?

Esse momento de aparente baixa traz uma reflexão sobre o referencial que usamos. Com certeza as coisas estão mais difíceis para as startups do que em 2021, mas 2021 foi um ano excepcional, completamente fora da curva. No mundo, de janeiro a maio, o volume de investimentos em 2022 está sendo apenas 5% menor do que 2021, 99% maior do que 2020 e 101% maior do que 2019. 2019 e 2020 foram anos onde o mercado estava em pleno crescimento e superotimista.

Nos últimos anos, vivemos um sellers market, onde a “vantagem” nas negociações estava nas mãos dos bons empreendedores, dado que o mercado estava com muita liquidez. Agora, com investidores não tradicionais desse mundo saindo desse mercado e VCs em um ritmo mais racional e controlado de aportes, há uma exigência maior por fundamentos mais sólidos.

Momentos como esse nos fazem relembrar que mercado é cíclico e portanto os ajustes são normais e até saudáveis. Ao invés de um cenário catastrófico, vejo como um momento de correção e reflexo natural de um mundo com maior inflação, maiores riscos globais e consequentemente maior taxa de juros. Além de cíclico, o venture capital é um mercado de risco e os retornos são altos. Casos de “fracasso” são normais em mercados maduros. Esses movimentos relembram que startup é um negócio de risco, e se os investidores contam com  retornos atrativos é porque eles estão tomando riscos. É a relação risco/retorno, que existe em todo mercado. Então, quem conseguir passar bem sobre esse ano e se reajustar, vai sair muito mais forte na próxima fase desse ciclo.

Os próximos passos

Apesar desse momento de ajuste, a tendência estrutural se mantém. Empresas de tecnologia nunca foram uma parcela tão grande dos mercados de ações quanto hoje, e cada empresa bem sucedida do futuro será uma empresa de tecnologia.

Tecnologia, especialmente software, será cada vez mais importante e relevante. A correção que vemos hoje, por mais dolorosa que seja, é um ruído de curto prazo e não afeta a tendência de longo prazo, que permanece a mesma. Apesar dessa correção, o mercado está maior e mais maduro do que dois anos atrás e, para investidores captados, pode ser uma boa janela de oportunidade.

No curto prazo, os investidores tendem a adotar um nível mais conservador de investimentos, o que deve levar a um ajuste natural nos valuations. A partir do momento em que as taxas de juros voltarem, junto com o  controle da inflação, esse dinheiro volta para ativos de maior risco.

Mercado de Venture Builder

Para o mercado de Venture Builder, quando você tem mais dinheiro disponível de investidores é sempre bom, pois estamos na ponta da startup, mas o cenário vai acabar ficando mais parecido com o que nós fazemos, um mercado mais racional, sem ciclos super agressivos de funding de captação com múltiplos absurdos. No mercado de VB é mais característico fazer um projeto voltado desde o início para fundamentos e menor queima de caixa. Além disso, segundo estudos da GSSN (Global Startup Studios Network), startups dentro de VBs tendem a ter um risco menor, com uma chance de sucesso 79% maior do que a média do mercado.

As empresas que estavam com muito dinheiro e não tinham operações tão eficientes e precisavam gastar em marketing para crescer, essas vão sofrer muito e aquelas que têm operações mais eficientes, produtos mais redondos certamente vão se sobressair. E quem passar por esse ciclo vai ter uma vantagem muito grande.

*Pietro Bonfiglioli é engenheiro formado pela Escola Politécnica da USP, iniciou a carreira no mercado financeiro na área de IB trabalhando com M&A e estruturação de fundos e operações de crédito estruturados

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