É preciso produzir acertos em série para evitar perder o controle de sua gestão (Ueslei Marcelino/Reuters)
Bússola
Publicado em 8 de outubro de 2021 às 11h08.
Uma série de erros, equívocos e omissões não produz um acerto como resultado final. Todo governante deveria saber de cor essa máxima. E deve seguir à risca o receituário inverso, ou seja, produzir acertos em série para evitar perder o controle de sua gestão. Acontece que, mesmo líderes importantes, cometem erros primários. Quando ocorrem em série, perdem a capacidade de conduzir o processo político e passam a ser conduzidos pelas ondas geradas por outros atores políticos (Congresso, adversários) ou sociais (o povo na rua em 2013).
O interessante é que nem sempre os próprios governantes reconhecem isso. É um processo de negação sofisticado, com paroxismos intrínsecos à personagens inteligentes, mas que cometem erros classificados até como estúpidos. Esses erros não tem ideologia. Livro de David Robson aborda exatamente essa questão: “Por que pessoas inteligentes cometem erros idiotas?” (Editora Sextante). É um exercício de análise amplo dos erros na sociedade, com histórias que incluem até mesmo ganhadores de prêmio Nobel, gênios como Albert Einstein e escritores de reconhecida verve lógica como Conan Doyle.
Sobre o autor do elementar detetive que adorava evidências, Sherlock Holmes, Robson narra uma deliciosa história envolvendo a esposa do escritor (uma médium) e o mágico Houdini, que havia perdido a mãe no início do século XX. Então amigos, Holmes propôs uma sessão para que sua mulher evocasse o espírito materno e aplacasse o sofrimento do ilusionista. O espírito chegou, escreveu muitas páginas em perfeito inglês e se declarou cristã. Houdini interrompeu a mística, dizendo que a mãe, judia, não sabia escrever naquele idioma e esquecerá a data do próprio aniversário. Holmes nunca aceitou as evidências do mágico de que organizara uma farsa e a amizade foi rompida. Elementar, meu caro Watson.
A polícia atual também investe contra evidências. Algumas claras: 2018 foi a manifestação de uma insatisfação com um modelo político vigente há mais de 30 anos. Era a continuação da onda de 2013, quando uma explosão de ódio gerou quebradeiras e conflitos em várias cidades do país. Exigiu-se um novo modelo de política. Partidos tradicionais e antigos políticos foram humilhados nas urnas. Às vésperas da eleição de 2022, muitos políticos tradicionais voltam ao poder como poucas vezes, embalados em práticas jurássicas como a negociação de emendas parlamentares.
Nesta semana, o ministro da Controladoria-Geral da União, Wagner Rosário, revelou que conduz investigação, em parceria com a Polícia Federal. Apuram a existência de balcão de comercialização de emendas parlamentares. Dinheiro público financiaria obras em municípios e empreiteiras locais pagariam percentual a parlamentares. Ele anunciou que está em preparação a operação para avançar nas apurações. Claro, o ministro não quis cometer um deslize, mas ao avisar sobre a operação pode ter dado início a processo de queima de arquivos, troca de celulares e acordos de silêncio em várias cidades beneficiadas por emendas parlamentares. O ministro é inteligente, mas cometeu um erro idiota, diria Robson.
É elementar que este escândalo é retrô, cheira a naftalina dos anos de 1990, quando anões dominaram o orçamento. E alegavam ficar ricos por sorte. Um deles chegou a dizer, em CPI, ter ganhado cem vezes na loteria esportiva. Em fenômeno estatístico, mas uma normalidade na política de então.
O psicólogo Daniel Kahneman é um laureado com o Nobel que estuda a psicologia cognitiva. Ele aponta que o viés cognitivo, ou erro de raciocínio que ocorre sistematicamente, funciona como forma de auto-ilusão: sabemos o truque mas nos deixamos fascinar sempre.
Pode-se usar paródia para alegar que erros políticos, como usar emendas como moeda de troca para se beneficiar financeiramente, é também um erro de ação parlamentar que ocorre sistematicamente. Volta e meia aparecem problemas da mistura de dinheiro com política. Mensalões, mensalinhos, filas de ambulâncias e de tratores não alteram o quadro de desalento do eleitor. Começa como ilusão, conhece os truques e sabe-se que acaba em escândalo, mas insiste em tentar enganar o eleitor.
Em política, um ativo financeiro pode gerar ganho imediato para a sociedade. Ou apenas no bolso de alguns. Mas é um erro sistematizar a política com essa fórmula. A insistência nesse erro é uma estupidez que só gera perdas imensas para o país e para a crença na democracia. E para os próprios políticos no final.
*Márcio de Freitas é analista político da FSB Comunicação
Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.
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