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O dia seguinte: Superando ondas de desligamentos

Processos e demissão em massa podem ser complicados de lidar, e é preciso ser paciente nesses momentos

Semanas de layoff podem ser desesperadoras (Anchalee Phanmaha/Getty Images)

Semanas de layoff podem ser desesperadoras (Anchalee Phanmaha/Getty Images)

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Publicado em 16 de março de 2023 às 18h30.

Conversei recentemente com várias pessoas próximas que conduziram um processo de demissão em massa (o chamado layoff). Todos, sem exceção, me descreveram uma espécie de estado catatônico depois que os desligamentos foram feitos. Uma sensação de “e agora?” somada a uma paz que não combinava com o momento. A impressão é de que foram todos tão absorvidos pelo processo de construir um desligamento em massa que não tinham planos para o que viria depois.

As semanas que antecedem um layoff são de fato desesperadoras. Muitas contas para fechar um número, um sem fim de reuniões, uma necessidade enorme de entender como as rotinas das pessoas desligadas serão absorvidas pelo time que seguirá na empresa, montagem de um plano de comunicação, o apego emocional a pessoas que sairão, a preparação e ansiedade dos gestores. É totalmente desgastante e, num certo grau, caótico.

Poderia até ser mais suave, como descrevi aqui, mas fato é que sua empresa chegou nesse ponto e não saber o que fazer é justamente o menos recomendado para o momento. Diversas pesquisas mostram que a rotatividade aumenta nos grupos de funcionários que perdem pessoas de convívio próximo no trabalho. Um estudo da Visier Inc  aponta que, uma vez que as pessoas começam a sair, há um risco de contágio nos colegas que permaneceram na empresa e, portanto, há uma probabilidade das saídas voluntárias serem 9,1% maiores nesses casos.

O fato é que quando uma empresa organiza um processo nessa dimensão, a maior parte do esforço está em definir e garantir o processo de quem SAI. Por mais que isso seja importante e que esperamos um mínimo de empatia e humanidade, maiores deveriam ser as ações para quem FICA. E se este parágrafo não causou nenhum choque, é porque provavelmente você está fazendo a coisa certa.

Sigo para algumas ações práticas que precisam estar na “lista do dia seguinte”, por assim dizer. Não serei exaustivo no como fazer porque essencialmente elas giram em torno de um tema somente: equilibrar as necessidades de negócio com as necessidades das pessoas e, portanto, sem este equilíbrio, há somente a garantia de que qualquer empresa passará por mais solavancos e não realizará o máximo de seu potencial. A conta, cedo ou tarde, sempre chega. Acompanhado da conta, muitas vezes chega a próxima demissão em massa. Contém alguma ironia e… bastante verdade.

Transparência promove segurança

Desenhemos o cenário e o roteiro das conversas de corredor (ou de apps de mensagem) que se passam na sua empresa agora. Gestores sendo criticados pela falta de humanidade, insegurança sobre o que virá a seguir, desânimo sobre os resultados esperados e o momento da empresa e, o mais grave, golpes desferidos contra a cultura da organização que sempre pregou pessoas no centro e figurou em rankings de melhores lugares para se estar e trabalhar. Basta olhar os perfis de memes corporativos em redes sociais e tudo isto está lá, escancarado.

Quem convive mais comigo sabe que minha pregação favorita sobre o papel do RH é a de trazer previsibilidade. Você pode pensar sobre o quanto a minha recomendação é monótona, mas a beleza dela está justamente em você imaginar que seu time sabe o que vai acontecer e que, portanto, sua vida de gestor ou gestora será mais fácil para colocar em marcha os planos do momento. Não subestime o poder que a tranquilidade e, mais do que isso, a segurança, trazem para o ambiente corporativo. Caos, confusão e dúvida raramente são coisas bacanas nesse contexto. Pode confiar.

O primeiro passo é se conectar com o time que está neste momento assustado com os movimentos de desligamento. Lideranças sênior precisam se posicionar sobre o momento com a maior transparência possível e o time precisa entender a razão das decisões e, simultaneamente, a direção que o negócio vai tomar. Se fala em economia que um dos índices mais importantes é o de otimismo. Ao mesmo tempo, se fala em gestão de pessoas que estamos na era do propósito e alinhamento de direção. Perder estes dois itens de vista pode ser bem grave.

Garanta que a comunicação contenha os pilares de sua cultura organizacional presentes e reforce que as decisões tomadas e as ações futuras estejam alinhadas a estes pilares. Garanta também que aquele parágrafo da cultura sobre diversidade e inclusão tenha sido levado em conta na hora de fechar a lista de desligamentos. Eita…

Importante também lembrar que seus maiores talentos provavelmente não foram desligados. Tenha certeza de que estas pessoas serão ouvidas e terão suas dúvidas sanadas. São pessoas que podem inclusive ajudar na construção dos próximos passos pois, afinal de contas, são talentos e costumam ter muita visão sobre coisas que podem contribuir. Acolha bem as sugestões destas pessoas e considere seriamente colocá-las em prática no limite do que for possível.

Destaquemos também que teremos agora menos pessoas nos times e que nem tudo que era feito antes será feito da mesma maneira.Talvez, algumas atividades nem sequer seguirão existindo. Rotinas precisam ser redesenhadas, controles e processos extintos, reuniões reduzidas ou repensadas. Admita que seu negócio não tem condições de sustentar a mesma carga de trabalho em menos pessoas. Na linha do equilíbrio, esta é uma ótima oportunidade de planejar no que focar e dar tração. Foco traz resultado e ter que fazer escolhas pode ajudar o seu negócio a garantir que sejam as que trazem resultados e crescimento. Se isto não foi pensado no momento de planejar as demissões, dedique tempo a isto agora. Foco.

Não esqueça do topo da pirâmide

Um traço comum de desligamentos feitos dessa maneira é que eles são pensados pela liderança sênior. Isto faz com que os nomes nas listas muitas vezes sejam somente de pessoas abaixo destas lideranças no organograma. A consequência disto é a de um certo sentimento de injustiça ao mesmo tempo que tende a acontecer uma sobrecarga de controle e de demandas dado que a pirâmide da sua organização se desbalanceou. Se isto não foi levado em consideração, leve. A máxima sobre muito cacique e pouco índio continua valendo, sem contar que se o seu objetivo era cortar custos, a primeira barra do pareto normalmente habita os níveis mais altos do seu organograma.

É sempre importante ressaltar os objetivos de grandes decisões. No caso de demissões em  massa, o que se tem em mente é uma melhora nas linhas de baixo do balanço. Trocando em miúdos, o nome disso é ganho de produtividade e ganhos de produtividade só são perenes se vêm acompanhados de foco nas pessoas, revisões de processo e em tecnologia. Educação, gestão e inovação. Vale para governos e vale para empresas. O primeiro habilita os outros dois, sempre nessa ordem.

Novas habilidades em prática

RHs em momentos de euforia costumam dedicar de 60 a 70% do seu esforço na seleção e integração de novos funcionários. A mesma proporção deveria ser aplicada em treinamento, desenvolvimento e carreira em momentos de baixa. A palavra de ordem é “upskilling” ou “qualificação”. O time precisa absorver novas habilidades e desenvolver novas capabilidades. É impossível que haja crescimento sustentável em um negócio onde este tipo de investimento não acontece. Traga fornecedores, mapeie habilidades críticas que as pessoas deveriam desenvolver, defina capabilidades que seu negócio não tem e que farão falta. Seu time tem habilidades digitais? Seus concorrentes fazem coisas que seu time não é capaz de fazer? Nunca pare de qualificar.

Pode-se dizer que outra vantagem em treinar as pessoas é que ela abre as portas para que elas façam coisas diferentes. Mobilidade interna e redesenhos de função são hoje apontadas como um dos maiores fatores de retenção nas organizações. Pessoas com desafios novos e ânimos renovados tendem a ser mais felizes onde trabalham.

A sequência disso é que pessoas mais qualificadas e com mais repertório permitem que você inove na forma de fazer as coisas. Dar liberdade para que as pessoas redefinam a forma de tocar certos processos traz habitualmente um ganho grande de produtividade, escala e uma redução de carga de trabalho. Já falamos disso antes e agora é a hora de colocar em prática. Ajude as pessoas a terem contato com outros negócios e fornecedores. Isto automaticamente trará inovação e tecnologia para o seu negócio. Estabeleça formas de priorizar estas frentes de trabalho e investimentos, mas saiba que existe a certeza de que trará frutos se sua organização escolher os focos corretos.

O equilíbrio e a conclusão

Caminhando para o fim, queria destacar que todas as sugestões aqui compartilhadas têm o objetivo, já mencionado em um parágrafo anterior, de equilibrar as necessidades de negócio e das pessoas por meio da conexão entre estes dois polos. Não existe negócio saudável sem este balanço e espero ter contribuído ao compartilhar minha visão sobre como isto pode ser feito. Já passei por inúmeros momentos como este e sei que é possível fazê-lo sem soluços.

Desligamentos por vezes são necessários, mas a opção de como conviver de maneira mais saudável com as consequências disto é de nossa total autonomia. Escolher a ressaca talvez não seja a melhor decisão quando o que queremos na verdade é que nossas organizações sigam saudáveis e crescendo.

*Daniel Spolaor é CEO da Escola Koru

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