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O ChatGPT vai matar o jornalismo?

Há alguma chance da nova inteligência artificial acabar com o jornalismo tradicional, como conhecemos?

Sua profissão pode estar em perigo (NurPhoto/Getty Images)

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Publicado em 18 de maio de 2023 às 15h00.

Por Luis Claudio Allan*

E se você ligasse hoje a televisão para assistir ao Jornal Nacional e no lugar de William Bonner e Renata Vasconcellos encontrasse dois apresentadores avatares criados por Inteligência Artificial narrando os acontecimentos do dia? Pois bem. Na China já aconteceu. A âncora virtual Ren Xiaoron agora é a nova apresentadora do telejornal People’s Daily, um programa jornalístico estatal chinês.

Capaz de ler e interpretar notícias, Ren obteve respostas positivas por parte do público nas redes sociais, que elogiaram a desenvoltura da personagem. Já as críticas tocaram em um ponto importante: por que substituir uma jornalista real por um robô? Enquanto o uso de avatares não parece assustar tanto os jornalistas que conheço, não há como fugir dos "temíveis" geradores de texto.

O ChatGPT está aqui e já está sendo amplamente usado por muitos profissionais. Preparado para criar textos para serem lidos no ar e publicados em qualquer formato, o robô consegue escrever sobre quase tudo e com a entonação que for necessária.

Mas será que o chatbot irá realmente matar o jornalismo como o conhecemos?

Esse questionamento foi tema de uma das principais palestras do Web Summit Rio, com o mesmo título que abre este artigo, e o próprio mediador da conversa, Steve Clemons, do Semafor, questionou o ChatGPT. Clemons perguntou se ele mataria, de fato, o jornalismo.

A ferramenta respondeu que, como uma inteligência artificial, ela não tem o poder de matar nada, nem mesmo o jornalismo, e colocou a responsabilidade desse possível “falecimento” nos próprios jornalistas e da mídia.

Entre os painelistas, a jornalista Laura Bonilla, da AFP, destacou o poder de delegar tarefas repetitivas ao Chat, mas lembrou da importância das discussões éticas que ele ainda não abrange. Greg Williams, representante da WIRED, disse que a ferramenta não tem compromisso com a verdade e apenas se interessa em passar o que ele imagina que um ser humano passaria, refletindo a informação que já está circulando, sem critério.

Paula Mageste, da Edições Globo Condé Nast, comentou no painel que os jornalistas vão precisar se tornar melhores em seus "jogos", pois algumas funções serão incorporadas pelo ChatGPT. Ao mesmo tempo, ela destacou que há algo muito singular sobre o humano no jornalismo, que é o poder de criar conexões. Ou seja, uma máquina não tem o poder de criar relações.

E, se pararmos para pensar, em suas versões atuais há mais tarefas que as ferramentas de IA não conseguem fazer com excelência no campo da comunicação do que o oposto. Há muito chão pela frente antes de vermos um cenário de ficção científica tomando conta da humanidade e, particularmente, do jornalismo.

Imaginemos, por exemplo, a tragédia ocorrida recentemente em Blumenau, que vitimou quatro crianças em um terrível ataque escolar. No lugar de destacar um repórter, enviaremos um drone habilitado com o que há de mais moderno em IA para entrevistar os envolvidos, coletar imagens e assim produzir a informação que será repassada para a sociedade?

Um caso delicado como esse não demanda uma pessoa de carne, osso e cérebro analisando o cenário? Os drones podem, sim, auxiliar profissionais que cobrem guerras e desastres naturais, mas mesmo assim ainda será necessário que alguém edite, interprete e analise a situação.

Portais de notícias vivem de conteúdos e cliques. Por isso, contar com recursos que ajudem a otimizar o tempo dos repórteres já é uma demanda latente. Um caminho previsível será o desenvolvimento de programas de linguagens (nem só de ChatGPT vive a IA!) que serão alimentados com informações coletadas através do trabalho investigativo de um repórter e voilà!: uma nova reportagem estará pronta.

Se hoje os jornalistas se debruçam em planilhas de Excel para investigar gastos do governo através da Lei de Acesso à Informação, com a ajuda da IA essa pesquisa será rápida e prática, com a ferramenta exercendo o papel de identificar discrepâncias de dados em tempo real.

O jornalismo econômico poderá fazer uso de dados consolidados durante o dia, como taxa de juros e valores trocados em Bolsas de Valores, para produzir conteúdo instantâneo com os principais acontecimentos do mercado. A rede de notícias e informações financeiras Bloomberg, decidiu, por exemplo, criar o seu próprio “ChatGPT”, levantando outro questionamento: é o fim da análise econômica?

O “BloombergGPT” irá se beneficiar do próprio conteúdo, já que a empresa é uma das mais sólidas quando o assunto é o mercado financeiro. Será que em breve teremos agências de notícias que também coletam enormes quantidades de informações tendo a mesma ideia? É provável que sim.

Embora a integração da inteligência artificial no jornalismo esteja cada vez mais presente, é preciso destacar um ponto: nem todo mundo sabe usar os chatbots de forma correta. Conhecer os “comandos” ou “prompts” necessários para que o material produzido funcione corretamente é fundamental.

Será que em breve as faculdades de Jornalismo terão cadeiras que ensinem a como usar essas funcionalidades? Os chamados “tutoriais” mostrando como aproveitar o melhor da IA já estão por toda a internet.

Desde a automatização de tarefas, como verificação de fatos, a análise de grandes quantidades de dados e o fornecimento de recomendações personalizadas de notícias, a IA está transformando, ou irá transformar muito em breve, como as redações funcionam. Ou seja, não é só a produção de conteúdo, não é só um texto, é toda a escala de trabalho que envolve esses profissionais.

A pergunta que todos os jornalistas se fazem no momento  é: vou perder meu emprego para a IA? A resposta é: depende. As redações de jornais e revistas que já vinham encolhendo devem ficar ainda menores, operando para públicos específicos, os nichos.

É aquela velha história: a televisão não acabou com o rádio, e a televisão, por sua vez, e muito menos o streaming (e a pandemia!), acabaram com o cinema, mas a maneira de consumir esses conteúdos mudou. Mudou muito e de maneira veloz. O mundo do final de 2019 não será o mesmo do final de 2023, que é considerado o ano da IA pelos especialistas.

Um ponto positivo para essas mudanças está na provável força que o jornalismo independente deve ganhar. Boas histórias ainda serão adquiridas pelos portais e jornalistas que são bastante seguidos em suas redes sociais, independente de um contrato de trabalho, continuarão produzindo material inédito e exclusivo e serão pagos por isso.

O conteúdo personalizado e autoral não deverá perder audiência. Mas os jornalistas e creators que não se prepararem para estes novos tempos certamente ficarão para trás. O jornalismo não morreu porque os computadores substituíram as velhas e românticas máquinas de escrever. Ao contrário, os hardwares e softwares, especialmente após o nascimento da Internet, aumentaram e muito a produtividade e trouxeram novos desafios para as empresas de mídia, inclusive impactando fortemente o modelo de negócios sustentado pela publicidade tradicional.

Com o ChatGPT e a IA não será diferente. As mudanças na forma como trabalhamos certamente chegarão, mais cedo ou mais tarde. Mas o jornalismo, fiquem tranquilos, não irá morrer.

*Luis Claudio Allan é CEO da FirstCom agência de relações públicas, e da People2Biz, agência de marketing pessoal

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