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Novo Código Eleitoral: mudanças favorecem a participação feminina ou reforçam os obstáculos?

Apesar de representarmos mais da metade da população brasileira e do eleitorado, seguimos sub-representadas nos espaços de poder, escreve colunista da ONG Elas no Poder 

"O novo Código Eleitoral ainda está em tramitação. Que esse seja um chamado à mobilização de todas as mulheres para acompanhar, pressionar e ocupar esse debate" (Klaus Vedfelt/Getty Images)

"O novo Código Eleitoral ainda está em tramitação. Que esse seja um chamado à mobilização de todas as mulheres para acompanhar, pressionar e ocupar esse debate" (Klaus Vedfelt/Getty Images)

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Publicado em 30 de julho de 2025 às 10h00.

Por Júlia Rios, da ONG Elas no Poder*

O recém publicado Global Gender Gap Report 2025 do Fórum Econômico Mundial mostra que, na dimensão de empoderamento político, o Brasil continua muito atrás na paridade de gênero: apenas 17,5% das cadeiras parlamentares são ocupadas por mulheres, o país ocupa a posição 74 entre 146 na subcategoria de representação política e, no ritmo atual, levaríamos em torno de 123 anos para alcançar a paridade. Isso não é normal, nem aceitável. 

Como já destacamos anteriormente nesta coluna, a representatividade feminina na política é fundamental não apenas como questão de justiça, mas como condição para o fortalecimento da democracia e para a formulação de políticas públicas mais inclusivas. Avançar nessa agenda exige não só reconhecer os dados alarmantes, mas também enfrentar os mecanismos institucionais e culturais que continuam restringindo o acesso das mulheres aos espaços de poder.

Nesse contexto, o Congresso Nacional ainda é um reflexo da desigualdade estrutural que enfrentamos e a reforma do Código Eleitoral, em trâmite no Senado, levanta um questionamento importante: as mudanças previstas favorecem a participação feminina ou reforçam obstáculos já existentes?

A questão central

Uma grande polêmica surgiu pelo fato de a proposta abandonar a regra atual que obriga os partidos a preencherem 30% das candidaturas para cada sexo. Pela nova redação, essa obrigatoriedade é removida e até mesmo a ideia de reservar 20% das cadeiras para mulheres, anunciada anteriormente como avanço, foi retirada.

A medida, que o novo texto passa a ignorar discussões antigas sobre a questão racial, também ignora a realidade da sub-representação feminina (e racial) e desconsidera os dados demográficos do país. Segundo o Censo 2022, 28,5% da população brasileira é composta por mulheres negras. Nesse sentido, para que tenhamos uma democracia representativa de fato, precisamos caminhar para uma reserva de 50% das cadeiras para mulheres, sendo que pelo menos 28% destas deveriam ser direcionadas às mulheres negras.

Nesse contexto, as organizações sociais que lutam pela paridade de gênero discutem que mesmo quando apresentadas propostas de avanço à equidade de raça e gênero, outras pautas entram em disputa e tiram o foco dessas propostas, como a regulação do uso da Inteligência Artificial em campanhas eleitorais, embora seja um tema legítimo e urgente, ganhou destaque midiático e político, mas já está sendo discutido em outras esferas.

O texto também falha ao não estabelecer um procedimento específico para apurar responsabilidades de partidos e instituições em casos de violência política contra mulheres. Na prática, isso pode inviabilizar a responsabilização de estruturas que perpetuam a desigualdade de gênero no interior dos partidos.

A reforma eleitoral ameaça a participação política de mulheres

Historicamente os partidos não abrem espaço para a candidatura de mulheres e no contexto brasileiro, muitos deles abrem esse espaço apenas para "cumprir tabela” em adequação às cotas, mas não são oferecidas oportunidades e recursos para as campanhas dessas mulheres. Nesse sentido, a proposta de retirada da obrigatoriedade do repasse proporcional de recursos do Fundo Eleitoral e do Fundo Partidário às candidaturas femininas, se aprovada, dificultará ainda mais o sucesso dessas candidatas. 

A proposta ainda permite que em caso de candidaturas conjuntas de homens e mulheres, ou nos casos em que a mulher seja vice do majoritário, os valores gastos sejam computados na cota das mulheres, mesmo que quem lidere a chapa e concentre recursos seja um homem. Isso distorce o cálculo da distribuição e mascara a real distribuição de apoio.

Outro trecho preocupante trata das federações partidárias. O novo Código propõe que a cota mínima de candidaturas de mulheres seja contabilizada globalmente entre os partidos federados, e não individualmente. Isso pode enfraquecer partidos menores que historicamente investem em lideranças femininas e reduzir o número total de mulheres candidatas.

Diante de tudo isso, é fundamental dizer: uma reforma só será verdadeiramente democrática se for construída com e para quem historicamente foi deixado de fora. Precisamos de um novo Código Eleitoral que reconheça e enfrente desigualdades estruturais. Isso inclui garantir ações afirmativas robustas, como a reserva de 50% das cadeiras para mulheres, recortes raciais e territoriais, cotas internas de liderança nos partidos e mecanismos reais de responsabilização frente à violência política de gênero.

Falar de mulheres na política não pode se limitar a preencher uma planilha com percentuais. É sobre abrir espaço, mudar prioridades, orçamentos e decisões. E, acima de tudo, é sobre transformar estruturas que foram feitas para nos deixar de fora.

O novo Código Eleitoral ainda está em tramitação. Que esse seja um chamado à mobilização de todas as mulheres para acompanhar, pressionar e ocupar esse debate. Porque leis que não nos enxergam jamais nos representarão de verdade! 

*Júlia Rios é analista de dados e Diretora Financeira da ONG Elas no Poder.

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