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Nova MP 1.103 tem potencial de expandir mercado de securitização

Medida Provisória criou novo marco regulatório para operações de securitização de direitos creditórios e emissão de Certificados de Recebíveis no país

Regra admite que quaisquer direitos creditórios sejam representativos de operações de securitização. (Shutterstock/Shutterstock)

Regra admite que quaisquer direitos creditórios sejam representativos de operações de securitização. (Shutterstock/Shutterstock)

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Publicado em 24 de abril de 2022 às 17h06.

Última atualização em 24 de abril de 2022 às 17h15.

Por Helena Arruda e Caio Mello*

A Medida Provisória nº 1.103, de 15 de março de 2022 (“MP 1.103”) criou um novo marco regulatório para operações de securitização de direitos creditórios e emissão de Certificados de Recebíveis no país, além de criar a Letra de Risco de Seguro — LRS, que pode ser emitida por Sociedade Seguradora de Propósito Específico — SSPE. A MP 1.103 também flexibilizou o requisito de instituição financeira para a prestação do serviço de escrituração e de custódia de valores mobiliários.

O foco nesta nota serão as regras relacionadas às operações de securitização, cujas inovações trazidas pela MP 1.103 têm o potencial de expandir o mercado de securitização para todos os setores. Isso se dá pelo fato de a regra admitir que quaisquer direitos creditórios sejam lastro dos Certificados de Recebíveis, ou ainda, sejam vinculados a quaisquer outros títulos e valores mobiliários representativos de operações de securitização.

A relevância do conceito acima se intensifica, na medida em que a nova regra prevê a possibilidade de instituição do regime fiduciário e a criação, pelas companhias securitizadoras, do patrimônio separado para emissões de Certificados de Recebíveis ou de outros títulos e valores mobiliários representativos de operações de securitização, lastreados em quaisquer direitos creditórios.

Esses institutos eram exclusivos dos Certificados de Recebíveis Imobiliários (“CRI”) e dos Certificados de Recebíveis do Agronegócio (“CRA”), e foram estendidos, com a edição da MP 1.103, para qualquer valor mobiliário representativo de operações de securitização, o que constitui importante mecanismo de proteção para os investidores.

Outro avanço da MP 1.103 refere-se à formalização da instituição do regime fiduciário mediante o registro do termo de securitização (ou do instrumento de emissão do título de securitização, se for o caso) em entidade autorizada pelo Banco Central do Brasil ou pela Comissão de Valores Mobiliários a exercer a atividade de registro ou depósito centralizado de ativos financeiros e de valores mobiliários.

Neste sentido, vale lembrar que a Lei Federal nº 9.514/1997, que criou os CRI, exigia a averbação do termo de securitização na matrícula dos imóveis vinculados aos CRI para viabilizar a constituição do regime fiduciário e do respectivo patrimônio separado.

Tal averbação do termo de securitização nas matrículas passou a ser dispensada pela Lei Federal nº 10.931/2004, quando os créditos imobiliários fossem representados por Cédulas de Crédito Imobiliário (“CCI”), hipótese em que o regime fiduciário poderia ser registrado junto à instituição custodiante das CCI (inclusive, é por esse motivo que quase que a totalidade dos CRI emitidos após a promulgação da Lei nº 10.931/2004 contam com a emissão prévia das CCI). No entanto, o registro da escritura de emissão das CCI perante à instituição custodiante, não foi propriamente revogado pela MP 1.103, mas, analisando a nova sistemática de registro proposta pela MP 1.103, nos parece que tal registro perdeu seu efeito.

A Medida Provisória nº 2.158-35, de 24 de agosto de 2001, criou um cenário de insegurança jurídica para as operações de securitização ao estabelecer que “as normas que estabeleçam a afetação ou a separação, a qualquer título, de patrimônio de pessoa física ou jurídica não produzem efeitos com relação aos débitos de natureza fiscal, previdenciária ou trabalhista, em especial quanto às garantias e aos privilégios que lhes são atribuídos”.

A MP 1.103, por sua vez, visa atender pleito antigo do mercado para afastar a aplicação da Medida Provisória nº 2.158-35 nas operações de securitização, ao dispor no § 4º, do artigo 26 que: “os dispositivos desta Medida Provisória que estabelecem a afetação ou a separação, a qualquer título, de patrimônio da companhia securitizadora a emissão específica de Certificados de Recebíveis produzem efeitos em relação a quaisquer outros débitos da companhia securitizadora, inclusive de natureza fiscal, previdenciária ou trabalhista, em especial quanto às garantias e aos privilégios que lhes são atribuídos”.

Ou seja, o comando da MP 1.103 revoga a norma antiga, trazendo a segurança que o mercado busca. Entretanto, como destacaremos abaixo, esse ponto não é pacífico e foi objeto de três emendas até o momento.

Outros Pontos de Destaque:

Conceito de Valor Mobiliário: A MP 1.103 passa a prever expressamente que quaisquer Certificados de Recebíveis serão valores mobiliários, quando ofertados publicamente ou admitidos à negociação em mercado regulamentado de valores mobiliários. Isso implica dizer que, mesmo aqueles Certificados de Recebíveis que não sejam ofertados publicamente, se admitidos à negociação em mercado regulamentado de valores mobiliários, serão considerados valores mobiliários e, portanto, deverão seguir as regras da CVM.

Prêmio: O inciso VI, do artigo 21 da MP 1.103 dispõe que os Certificados de Recebíveis poderão contar com prêmio, fixo ou variável, sem estabelecer qualquer tipo de restrição à utilização de índice de preços ou qualquer outro referencial baseado em taxa de juros, como prevê a Decisão Conjunta BACEN/CVM nº 13, de 14 de março de 2003.

Do mesmo modo, o inciso VIII, do mesmo artigo, expressamente prevê a possibilidade de cláusula de correção por variação cambial, o que contraria o disposto no inciso I, do artigo 6º da referida Decisão Conjunta. Assim, entendemos que a Decisão Conjunta BACEN/CVM 13 deverá ser revista de forma consistente às regras previstas na MP 1.103, de forma que os CRI e as Debêntures representativas de operações de securitização possam contar com prêmios livremente pactuados, bem como com cláusula de correção por variação cambial.

Possibilidade de Dação em Pagamento: A Lei nº 9.514 define o CRI como “título de crédito nominativo, de livre negociação, lastreado em créditos imobiliários e constitui promessa de pagamento em dinheiro”. Já a Lei nº 11.076, de 30 de dezembro de 2004, define o CRA como “título de crédito nominativo, de livre negociação, representativo de promessa de pagamento em dinheiro e constitui título executivo extrajudicial”.

Ambas as definições foram mantidas pela MP 1.103, que definiu os Certificados de Recebíveis como “títulos de crédito nominativos, emitidos de forma escritural, de emissão exclusiva de companhia securitizadora, de livre negociação, e constituem promessa de pagamento em dinheiro, preservada a possibilidade de dação em pagamento, e título executivo extrajudicial”. Desta forma, as definições de CRI e CRA, estabelecidas nas normas específicas (Leis nº 9.514 e 11.076, respectivamente) não preveem a possibilidade de dação em pagamento, como a definição genérica de Certificados de Recebíveis trouxe, ou seja, em uma primeira análise, tais títulos não poderiam ser emitidos com tal previsão.

Por outro lado, a MP 1.103 estabelece as regras gerais aplicáveis à securitização de direitos creditórios e à emissão de certificados de recebíveis, o que inclui os CRI e os CRA, sendo que a possibilidade de dação em pagamento é tratada na MP 1.103 em diversos pontos, os quais deveriam ser aplicados a tais títulos.

Assim, a MP 1.103 prevê que, quando for a intenção das partes permitir, desde a emissão do título, a realização da dação em pagamento, tal previsão deverá constar expressamente no termo de securitização, que deverá descrever a forma de liquidação do patrimônio separado, entre outras características relacionadas ao procedimento e respectivas consequências da dação em pagamento. Ante todo o exposto, nos parece que a possibilidade de dação em pagamento deveria ser aplicável aos CRI e aos CRA, mesmo que em suas definições, nas normas específicas, não haja a mesma previsão.

Emissão de novas classes e séries: A norma trouxe a possibilidade de realização de aditamentos ao termo de securitização visando a inclusão de novas classes e séries de títulos, cumprindo requisitos de complementação de lastro descritos nos documentos da operação. Esse mecanismo pode ser muito útil para os Certificados de Recebíveis Imobiliários, em estruturas que contam com compromissos de venda e compra sujeito a distratos, por exemplo, no entanto, a sua efetiva aplicabilidade dependerá de adequação da Resolução CVM nº 60, de 23 de dezembro de 2021 (“Resolução CVM nº 60”) nesse sentido.

Revolvência para todos os Certificados de Recebíveis: A MP 1.103 estabelece que o termo de securitização deverá indicar a possibilidade de substituição ou aquisição futura dos direitos creditórios vinculados aos Certificados de Recebíveis com a utilização dos recursos provenientes do pagamento dos direitos creditórios originais vinculados à emissão, com detalhamento do procedimento para a sua formalização, dos critérios de elegibilidade e do prazo para a aquisição dos novos direitos creditórios. Com isso, deveria ser superada a proibição de revolvência para os Certificados de Recebíveis Imobiliários, cabendo à CVM alterar a Resolução CVM nº 60 nesse sentido.

Chamadas de Capital: A MP 1.103 trouxe a possibilidade das securitizadoras celebrarem com investidores promessa de subscrição e integralização de Certificados de Recebíveis, para que realizem chamadas de capital de acordo com o cronograma esperado para a aquisição dos direitos creditórios. Esse mecanismo, inclusive, foi incluído na Resolução CVM nº 60 pela CVM, muito em linha com a medida provisória.

Cláusula de Variação Cambial: Os Certificados de Recebíveis poderão ser emitidos com cláusula de correção pela variação cambial, desde que sejam: (i) integralmente vinculados a direitos creditórios com cláusula de correção na mesma moeda; e (ii) emitidos em favor de investidor residente ou domiciliado no exterior. Essa possibilidade já existia para os CRA, inclusive a possibilidade de emissão em favor de investidor residente no Brasil, nos termos da Resolução CMN nº 4.947, de 30 de setembro de 2021.

A MP 1.103 prevê que o CMN poderá estabelecer outras condições para a emissão de Certificado de Recebíveis com cláusula de correção pela variação cambial, inclusive sobre a emissão em favor de investidor residente no Brasil.

Ofertas Públicas com Esforços Restritos: A Instrução CVM nº 476, de 16 de janeiro de 2009, que dispõe sobre as ofertas públicas de valores mobiliários distribuídas com esforços restritos e a negociação desses valores mobiliários nos mercados regulamentados, ainda não se aplica aos Certificados de Recebíveis genéricos, pois possui um rol taxativo de valores mobiliários a que é aplicável, dentre os quais estão os CRI e os CRA.

Assim, para que seja possível realizar uma oferta pública com esforços restritos dos demais Certificados de Recebíveis, será necessária uma alteração da Instrução CVM nº 476, mas vale lembrar que as debêntures e as notas comerciais, por exemplo, já estão no rol da Instrução CVM nº 476, podendo ser utilizadas pelas securitizadoras em operações de securitização já sob a égide da MP 1.103.

Tributação: Ressaltamos que os rendimentos dos Certificados de Recebíveis não serão isentos do imposto sobre a renda incidente sobre os rendimentos pagos a pessoas físicas, aplicando-se aos Certificados de Recebíveis as regras de tributação aplicáveis a títulos de renda fixa (nos termos Lei nº 11.033, de 21 de dezembro de 2004). Aos CRI e aos CRA mantém-se os benefícios fiscais de isenção do imposto sobre a renda incidente sobre os rendimentos pagos a pessoa física.

Diante de todo o exposto acima, acreditamos que a CVM deverá rever alguns pontos da Resolução CVM nº 60 para adequação à MP 1.103, sendo que seria um bom momento para que revisitasse a obrigatoriedade de arquivamento das demonstrações financeiras auditadas de devedores que possuam, direta ou indiretamente, exposição maior do que 20% (vinte por cento) de cada emissão, nas emissões de CRI destinadas exclusivamente a investidores profissionais.

A Instrução CVM nº 414, de 30 de dezembro de 2004, já previa essa dispensa no inciso II, do §4º, do artigo 5º, sendo que a Resolução CVM nº 60 prevê tal dispensa nas regras gerais de informações periódicas (inciso II, §2º, do artigo 51), assim como na regra específica dos CRA (§2º, do artigo 3º, do Anexo Normativo II), mas deixou de mencionar a exceção para os CRI no Anexo Normativo I.

Emendas Relevantes

Até 29 /03/2022, foram propostas 55 emendas à MP 1.103, das quais destacamos abaixo, aquelas de maior relevância:

Responsabilidade pela Existência do Crédito: A emenda 52 à MP 1.103 sugere uma adequação ao §4º, do artigo 20, no sentido de limitar a responsabilidade da companhia securitizadora à existência dos direitos creditórios vinculados ao Certificado de Recebíveis por ela emitido e não responsabilizá-la pela sua origem e autenticidade como consta da atual redação.

Débitos de natureza fiscal, previdenciária ou trabalhista: A emenda 54 à MP 1.103 sugere que o artigo 76 da Medida Provisória nº 2.158/01 seja revogado para conferir maior segurança jurídica às estruturas de securitização. Por outro lado, a emenda 7 à MP 1.103 sugere que o §4º, do art. 26, da MP 1.103 seja suprimido, indo na direção totalmente oposta à emenda 54 e a proposta original da própria MP 1.103, que visam garantir a segregação patrimonial de cada patrimônio separado para que não sejam afetados por eventuais passivos da securitizadora.

Flexibilização do requisito de instituição financeira para a prestação do serviço de escrituração e de custódia de valores mobiliários: As emendas 11, 14, 46 e 47 à MP 1.103 sugerem a exclusão dos artigos 32 e 33 da MP 1.103, de modo que a prestação do serviço de escrituração e de custódia de valores mobiliários continuaria sendo atividade exclusiva de instituição financeira.

Aquisição dos direitos creditórios: As emendas 48 e 50 à MP 1.103 sugerem que os direitos creditórios possam ser adquiridos até a data de integralização dos Certificados, desde que os direitos creditórios sejam previamente identificados e atendam aos critérios de elegibilidade previsto no termo de securitização, o que possibilitaria a formação do lastro entre a emissão e a efetiva integralização dos títulos.

Certificados de Recebíveis Socioambientais: A emenda 51 à MP 1.103 sugere a criação dos Certificados de Recebíveis com a denominação socioambiental desde que gerem melhorias em objetivos sociais ou ambientais, ao mesmo tempo em que não promovam danos a quaisquer destes objetivos, nem sejam incompatíveis com o disposto na legislação aplicável.

Blockchain: As emendas 49 e 55 à MP 1.103 sugerem que os Certificados de Recebíveis também possam ser registrados ou depositados em outra forma decorrente de tecnologia de protocolo de segurança ou distribuição descentralizada, o que incluiria a tecnologia blockchain.

Lembramos que o prazo inicial de vigência da MP 1.103 é de 60 dias, e será prorrogado automaticamente por igual período, caso não tenha sua votação concluída nesse período.

*Helena Arruda e Caio Mello são sócia e associado do escritório Duarte Garcia, Serra Netto e Terra respectivamente

 

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