Governo irá manter proposta para o retorno do voto de qualidade (Bússola/Reprodução)
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Publicado em 16 de fevereiro de 2023 às 13h00.
Última atualização em 16 de fevereiro de 2023 às 13h03.
Por Bússola
Após reunião com lideranças da Câmara dos Deputados e com Fernando Haddad (Fazenda), o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) sustentou, na segunda-feira (06/02), que o governo manterá a proposta para o retorno do voto de qualidade em julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) em que haja empate. Desde que foi anunciada, na última semana de janeiro, a medida sofre resistências de parlamentares e de empresários.
"Parece cedo para apontar qualquer desfecho para a matéria. Afinal, a Medida Provisória (MP) editada pela Fazenda carece de validação pelo Congresso. Mas há indicativo de que mudanças serão incorporadas: já foram apresentadas mais de uma dezena de emendas somente sobre o voto de qualidade", afirma Henrique Corredor Barbosa, sócio do escritório Raphael Miranda Advogados.
O tributarista, em entrevista concedida à Bússola na terça-feira (7), antecipou o movimento do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que, sem apresentar uma solução específica, disse ser necessário encontrar um “meio termo” para o impasse.
De acordo com Barbosa, o governo está insistindo nessa queda de braço, apesar do barulho na mídia especializada e de inúmeras opiniões de especialistas em sentido contrário. “A questão abrange muito mais que o voto de qualidade. Eles (representantes do governo) estão demonstrando que vão jogar com todas as forças políticas. Na verdade, eu acho que o Carf precisa de um olhar aprofundado em relação ao que ele fez e pretende fazer, como órgão julgador tão relevante para a economia do país", declara.
Para o tributarista, o ponto mais crítico nesta discussão parece ser o caminho tortuoso e beligerante adotado pelo governo para a tentativa de retomar o dispositivo, via MP. "A utilização de uma MP prejudica o que a gente tem de mais importante no sistema, que é a busca pela segurança jurídica. A gente tem um sistema complexo por natureza, tanto do ponto de vista legislativo, quanto pelo embate acalorado entre contribuintes e Fisco. Não há uma relação de confiança: é uma guerra. E a adoção da MP, sem atenção aos seus requisitos, alimenta essa briga, com aumento da litigiosidade", diz.
Vale lembrar que a extinção do voto de qualidade foi promovida em 2020 pelo Congresso e que o Supremo tem julgamento aberto sobre o tema, apontando para a constitucionalidade do desempate em favor dos contribuintes. "Desconsiderar que a extinção do voto de qualidade se deu por meio do processo democrático e voltar à regra anterior por meio de MP, sem prévia análise do Congresso, cria uma situação de insegurança jurídica enorme, que aumenta o desinteresse dos investidores, o custo de empreender no país e alimenta esse caldeirão da briga entre o Fisco e o contribuinte no Brasil. Esse não é o mecanismo (via MP). É nítido o caráter arrecadatório pretendido pelo governo."
Segundo Barbosa, o Carf deveria ser um órgão técnico de julgamento, sendo a arrecadação só um efeito. "A gente precisa julgar técnica e juridicamente se aquela cobrança é ou não regular, de acordo com a legislação ", diz.
MP não é dispositivo ideal
Henrique Corredor Barbosa enfatiza que o artigo 62 da Constituição estabelece que, para se editar uma Medida Provisória, dois principais pré-requisitos devem ser cumpridos: relevância e urgência. "Qual é a urgência? A urgência é na arrecadação. E os movimentos que a gente percebeu em janeiro no Carf tornam indiscutível o objetivo arrecadatório. Por isso eu digo que é atabalhoado."
A corrida de contribuintes pedindo a suspensão de julgamentos inseridos na pauta do Conselho em fevereiro visa garantir que a decisão do colegiado seja derrubada pelo judiciário, no caso de a MP não ser convertida em lei pelo Congresso. "É difícil prever resultados políticos que venham do Congresso. Mas tendo a crer que a MP não será referendada em 120 dias: ou vão deixar a Medida vencer ou rejeitar sua validade ou alterá-la para um meio termo. Essa briga vai longe e a postura do governo vai contra a proposta de 'litígio zero', anunciada por essa gestão", afirma.
Outro ponto levantado pelo tributarista em favor da manutenção do empate pró-contribuinte é que há um Projeto de Lei Complementar (PLC) em tramitação no congresso que pretende instituir o Código de Defesa do Contribuinte que contém previsão em favor do contribuinte.
Adicione-se a isso declarações da Fazenda e do ministro Haddad indicando que o ideal seria a queda da paridade na formação do Carf, que passaria a ser formado apenas por auditores-fiscais sob a justificativa de que o órgão se tornaria mais célere e menos custoso.
"Não concordo com os argumentos. A queda da paridade, por si só, atingiria de forma irreparável a imparcialidade do Conselho. Acaba a paridade, acaba o Carf. Além disso, se o Fisco passar a ser responsável por revisar as suas próprias decisões, jogaremos toda a disputa para o judiciário. O que teria efeito contrário nos argumentos de celeridade e redução de custos. Não faz sentido", elabora. "A formação do órgão via concurso público seria o que podemos chamar de uma solução ótima. Mas seria uma reforma muito radical", declara.
Como solução possível para o momento, Henrique Corredor Barbosa elogia a proposta levada pelos contribuintes ao ministro da Fazenda, sugerindo que multa e juros fossem excluídos do total a ser pago em casos que fossem finalizados empatados. "Em um primeiro momento, Haddad parecia ter recebido a ideia com bons olhos, já que é sensato inferir ausência de intenção do consumidor de burlar uma regra (uma vez que o julgamento terminou empatado)", diz
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