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Muito prazer, Maytê, mãe de dois e uma executiva feliz

Não é fácil a vida da mulher que tenta equilibrar suas demandas pessoais com as profissionais

Young woman flexing muscles in front of large superhero shadow on pink background (Klaus Vedfelt/Getty Images)

Young woman flexing muscles in front of large superhero shadow on pink background (Klaus Vedfelt/Getty Images)

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Publicado em 9 de março de 2022 às 18h00.

Por Maytê Ximenes*

Em homenagem a ontem, dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, quero contar pra vocês como cheguei na Hotmart e um pouco de como isso ilustra bem a nada mole vida da mulher que tenta equilibrar suas demandas pessoais com as profissionais. Antecipo: é perrengue, e não é chique.

Em 2017, eu fui contratada grávida do meu segundo filho pela minha última empresa empregadora. Esse fato me fez sentir um quentinho no coração, acreditando que, sim, o mundo estava mudando e, sim, eu estava honrada por viver um exemplo de que as empresas podem ter políticas mais humanas. Fiz de tudo para honrar a confiança que depositaram em mim. Pelos sete meses seguintes, até o nascimento do meu filho, minha gravidez não foi uma questão.

Perto do nascimento dele, enfrentei um processo difícil de divórcio. Foi uma licença-maternidade conturbada e um período muito tortuoso para se administrar. Além de minhas próprias demandas, precisei lidar com os cuidados de um recém-nascido e de um bebê de um ano e meio (o meu primeiro filho), sem ter uma única pessoa sequer de minha família por perto.

Hoje, olho pra trás e vejo que ali o meu índice de sucesso era sobreviver. Mas na época, eu achava que eu também precisava reagir, atropelando a minha vulnerabilidade. Decidi antecipar o meu retorno à empresa. Achava que eu precisava me ocupar — como se os dois bebês não fossem ocupações suficientes!

Voltei comunicando ao meu gestor e pares que eu estava inteira e pronta; que eu não precisaria ser poupada. Achava que isso era um ato de bravura. Hoje, vejo que foi um ato de pura ingenuidade. Eu não estava inteira. Eu estava em frangalhos. Foi, sem dúvidas, um dos maiores erros que cometi na minha carreira, quiçá na vida.

Meu gestor direto levou a cabo o meu pedido. Mas não foram exatamente os projetos estratégicos que me causaram a exaustão. Foram algumas dinâmicas particulares do time que conflitavam um pouco com a modernidade de uma empresa que contrata mulheres grávidas, tais como a alta demanda para o trabalho presencial, o que resultava em uma resistência ao home office, e um número grande de viagens. Lembro que em pouco mais de três meses, viajei para Irlanda, China, México e Estados Unidos.

Morava em São Paulo e minha família, em Florianópolis. Tinha de sair de casa, deixar os meninos e a babá com meus pais em Floripa e seguir viagem. Além dos custos monetários e a organização dessa logística, ainda tinha o tempo perdido. Na viagem da China, eu demorei quase 42 horas pra chegar. Foi quase o tempo do meu compromisso lá, cuja programação era de dois dias e meio. A saúde também cobrava. Eu estava sempre doente. A verdade é que viagem de trabalho é boa pra quem não faz. Porque pra quem vai é reunião, hotel e aeroporto.

A lista dos absurdos que já ouvi e enfrentei na vida sendo uma executiva mulher ou estando em cargos de liderança, é bastante extensa. Mas me passou agora pela cabeça um bem leve: certa vez fui questionada por um gestor se o meu filho tinha algum problema de saúde, porque eu o levava todos os meses ao pediatra.

Manifestamente o gestor não tinha filhos e nem acompanhou a rotina de recém-nascidos de perto para saber que, sim, eles vão ao pediatra mensalmente até completarem 12 meses de vida. Fiquei satisfeita em dar essa notícia reveladora para ele, na esperança de salvar outras mulheres desse mesmo questionamento no futuro (e ele próprio, de passar essa vergonha novamente).

Um belo dia, no auge do meu cansaço, a Hotmart entrou em contato comigo. Era uma oportunidade incrível para a minha carreira, em um momento incrível para a empresa. Seria um casamento perfeito. Mas eu não estava em um momento bom para acreditar em casamentos, não é mesmo? Ainda mais perfeitos. Não aceitei. Me boicotei. Só conseguia ver o copo meio vazio, achando que eu não estava dando conta sequer do compromisso atual, imagina em um desafio ainda maior, liderando o Jurídico em uma empresa global. Nem pensar. Não cabia na minha agenda naquele momento.

Mas declinar aquela oportunidade me causou um incômodo enorme. Não combinava com a “Xena”, aquela guerreira que eu achava que era quando pedi para o meu então gestor não me poupar. Além disso, minava a oportunidade de realizar o sonho de construir um time jurídico do jeito que eu acho que o departamento deve ser, como uma área de negócio.

Eu sou muito crítica com a atuação dos departamentos jurídicos da esmagadora maioria das empresas, inclusive de muitas que levantam a bandeira da modernidade. Mas isso é conversa para outra hora.

Fui convidada a visitar o escritório da Hotmart em Belo Horizonte. Conheci o João Pedro Resende e o Mateus Bicalho, fundadores da empresa, e vi um pouco mais da estrutura. Foi fatal: quis sair dali já vestindo a camisa. Não tinha como dizer não. Mas eu não poderia cometer o mesmo erro do passado, de não trazer as minhas contingências pessoais para a mesa.

A guerreira Xena morreu lutando, com um desfecho brutal. Deus me livre ter o mesmo destino. Abri o jogo para eles. Disse que estava animada, mas contei a minha história pessoal, dos garotos, da separação, das viagens e de todas as dificuldades que passei.

Percebi que ia operar em uma área maior e que as viagens seguiriam sendo frequentes e importantes. Pedi a eles que eu pudesse ficar em um trabalho remoto a partir de Florianópolis, para que tivesse mais estrutura e apoio com as questões pessoais. E eles aceitaram o meu pedido e fui a primeira empregada remota da empresa - três meses depois, quem diria, isso virou um padrão com a pandemia.

Poderia ter dado errado? Claro que sim. Eram muitas variantes em jogo. Como mulheres, estamos acostumadas a batalhar em uma arena hostil às nossas disputas. A vitória precisa ser sempre virando o jogo, com um esforço desproporcional. Dá muito mais trabalho. O caminho é muito mais longo e inóspito. E, como se não bastasse, ainda tentamos reprimir as nossas vulnerabilidades, em vez de as colocarmos em pauta para que possamos equalizá-las. Na saga, a Xena morreu, mas pelo menos gritou um bocado.

Deveríamos, pelo menos, estar dando voz a essas nossas questões. Sim, exatamente: “o não a gente já tem”. Vamos correr atrás do sim, do diferente, de abrir portas, criar precedentes, com a leveza e competência que a gente tem.

Eu tenho a sorte de contar com uma rede de apoio incrível da minha família, de amigos e, sim, de colegas de trabalho — gestores, geridos e pares. A eles, devo muito por ter chegado até aqui, e tenho profunda gratidão. É com essa aldeia que eu crio os meus filhos. E a maneira que eu procuro devolver isso para a sociedade é fazendo parte da aldeia de outras pessoas.

Sem dúvidas, essas dificuldades que passei me tornaram uma líder muito mais atenta às necessidades das pessoas do meu time, para além das técnicas. Eu me interesso genuinamente por eles terem uma vida particular possível e feliz.

Assim como eu me sinto muito mais produtiva e realizada com as minhas questões particulares equilibradas, eu quero que meu time também possa ver em mim uma parceria para, sendo possível, a gente contribuir na equalização das demandas particulares deles também.

É clichê, mas poucas pessoas conseguem colocar em prática o equilíbrio entre a vida profissional e a vida pessoal. O problema é que a mulher quase nunca consegue sequer ter a opção de renunciar à sua vida pessoal.

Sem medo de ser piegas, repito essa e tantas outras histórias, que já acumulei na minha jornada, ao meu time com alguma frequência, com leveza e bom humor. Pode ser que isso seja um tédio para eles, mas pelo menos sinto que isso nos aproxima. Quero que me percebam como alguém íntima e acessível. Quero que se sintam confortáveis em me contar o que quiserem.

Quero que confiem em mim até quando souberem que há demandas que eu não conseguirei resolver. Eu não acredito em relações em que as pessoas não se sintam confortáveis para dizerem o que sentem, além do que pensam — tecnicamente ou não. A vida das pessoas não pode ser reputada como “mimimi”.

E alguém tem um palpite sobre qual grupo traz mais frequentemente a sua vida particular para a pauta?

Feliz dia, mulheres!

*Maytê Ximenes é vice-presidente global de Jurídico e Compliance na Hotmart Company

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