Zuckerberg escolhe avatar em ambiente do Metaverso (Facebook/Meta/Reprodução)
Bússola
Publicado em 1 de março de 2022 às 16h47.
Por Yasodara Córdova e Thiago Diogo*
Definitivamente você ouviu falar em metaverso nos últimos seis meses. A palavra, adotada pela Meta (antigo Facebook) para designar seu mais novo propósito, entrou no cenário da tecnologia digital como sinônimo de ambientes virtuais para a interação que sejam mais representativos da experiência social humana. A promessa é um espaço virtual com uma experiência bem próxima à do mundo físico.
Entretanto, um metaverso pode ser muito mais do que isso. Metaversos já existem há pelo menos 19 anos desde o SecondLife, com níveis de profundidade diferentes e tipos de interação bem variados. Metaversos são mundos virtuais persistentes que continuam a existir mesmo quando você não está dentro deles, combinando aspectos dos mundos digital e físico.
Estar ou não em um mundo virtual depende de cada um de nós escolher como vamos nos apresentar por lá. Os MMOs, (Massive Multiplayer Online) já apresentam aspectos de metaverso para os usuários há pelo menos 20 anos. O que mudou? Em primeiro lugar, mais tecnologia de processamento de imagens, melhor conectividade (5G chegando), novos dispositivos para conexão (realidade aumentada), e, especialmente, as gerações que já nascem interagindo online, borrando a fronteira entre o virtual e o físico.
Antigamente os avatares eram a melhor definição de presença virtual, antes dos metaversos representarem a oportunidade para interagirmos com nossas identidades do mundo real. Quando você está em um jogo, não necessariamente precisa apresentar seu nome social ou seu número de identificação dado pelo governo.
Porém, se você for uma streamer e estiver fazendo sucesso, vai precisar conectar seu avatar gamer a uma conta no banco para ser remunerado pela plataforma, por exemplo. É nessas horas que os mundos virtual e físico começam a se misturar para valer.
Identidades digitais nos metaversos
Para interagir entre universos que misturam a identidade real, do mundo físico, com os avatares dos metaversos, as pessoas vão precisar de identidades digitais persistentes. Essa identidade digital tende a manter a experiência dos usuários focada em determinadas funcionalidades que saltam entre mundos, de acordo com a necessidade de uso.
Uma metáfora interessante para que a gente entenda como vai ser nossa interação com os metaversos é a capacidade do Dr. Estranho de saltar entre janelas multidimensionais — levando seus superpoderes e itens, como a sua capa mágica.
Assim como o Dr. Estranho tem sua identidade persistente, que leva para diferentes dimensões suas principais características e poderes, a identidade digital vai levar para os diversos metaversos as credenciais que as pessoas escolherem. É muito provável que os metaversos no futuro sejam todos parte de uma camada interoperável, permitindo levar itens virtuais como roupas ou itens de jogos, ou as credenciais, de uma plataforma para outra.
Por exemplo: se você fez um curso, o certificado fica linkado à sua identidade digital como uma credencial (algo como um “poder desbloqueado”), e você vai poder levá-la ao metaverso de sua escolha — ou da escolha de sua empresa. Também é possível imaginar um cenário onde você adquiriu um item em um metaverso, mas vai poder levá-lo a outro, assim como no mundo físico você compra um sapato e pode decidir utilizá-lo no trabalho ou na balada.
Essa extensão da vida “real oficial” aos metaversos é um prato cheio para provedores de plataformas de identidade digital, ou “identity-as-a-service” — que hoje já autenticam as pessoas para diversas situações da vida, como efetuar pagamentos, assinar documentos, se comunicar, entre outras coisas.
Com a vida real representada em identidades digitais, um vazamento de dados adquire uma dimensão exponencialmente maior, com riscos de roubo de avatares e fraudes de proporções jamais vistas. Nesse contexto, é premissa entender como cada recurso pode ajudar os usuários a se proteger quando estiverem utilizando suas identidades digitais e, ao mesmo tempo, facilitar a construção de relações de confiança dentro e através das plataformas.
De uma coisa já temos certeza: a explosão no uso dos metaversos no dia a dia tem consequências enormes para nossa vida e requer que aprimoremos os controles e proteções para lidar com as ameaças que surgirão nesse novo mundo.
Inclusive, já podemos imaginar os metaversos sendo usados para comercialização de identidades roubadas, assim como hoje acontece na Dark Web — na prática, podemos até dizer que os diferentes mundos da Deep Web poderiam se transformar em metaversos, a depender do nível de imersão dos usuários. Mecanismos de segurança robustos, portanto, são imprescindíveis para a nova era da identidade na vida digital.
E como garantir a confiança com a identidade nos metaversos?
Apesar dos metaversos serem espaços digitais, eles são regidos, limitados e potencializados pela mesma matemática que define nosso mundo real. Ou seja, as mesmas premissas matemáticas valem para todos os universos e metaversos. Isso significa dizer que, mais uma vez, as primitivas criptográficas poderão ser usadas para assegurar a confiança entre indivíduos virtuais ou reais.
Em outras palavras, não há metaverso capaz de deturpar a criptografia como a conhecemos hoje. Portanto, somente provas matemáticas poderão identificar coisas e participantes entre diferentes universos de modo consistente e seguro, ao mesmo tempo que permite ao usuário controlar com quem compartilha esses itens. Isso significa mais privacidade na prática.
Isso já está acontecendo. Nos metaversos, uma das práticas comuns dos participantes é usar Tokens Não Fungíveis (NFTs) para marcar itens únicos. E os NFTs emitidos, comercializados e usados nos metaversos já são baseados em provas criptográficas. Embora o mercado de NFTs ainda seja um experimento e não existam provas de que o modelo de negócios seja duradouro, uma versão mais segura e regulada destas tecnologias pode prevalecer para garantir que credenciais permaneçam com seus donos.
Com tudo isso, já podemos imaginar uma identidade digital auto-soberana, ou seja, controlada pelo próprio portador, em qualquer universo que seja, capaz de gerar provas matemáticas para identificação única, intransferível e irrefutável, assim como já acontece hoje em nosso mundo real.
A interoperabilidade da identidade entre universos também pode ser garantida pela matemática e pela criptografia, impulsionada pelo uso de padrões de garantam a consistência entre as plataformas, uma vez que as checagens e confirmações podem ser as mesmas e com as mesmas garantias, independente do universo (desde que o mesmo universo seja regido pelas mesmas leis matemáticas que conhecemos hoje).
Olhando para o futuro, essas tecnologias nos possibilitarão viver com segurança e privacidade nos mundos onde a tecnologia é pervasiva até fora dos ambientes virtuais. Com a implementação do 5G a internet das coisas será importante item na construção dos metaversos — e a identidade digital auto-soberana a chave para proteger nossos dados pessoais, itens virtuais e, porque não, itens físicos.
É bom estarmos preparados para este futuro de metaversos, assegurando desde já que o ecossistema olhe com carinho para princípios da privacidade e segurança.
*Yasodara Córdova é Principal Privacy Research da unico e pesquisadora no Centro para Governança Democrática e Inovação da Universidade de Harvard (EUA) e Thiago Diogo é diretor de Engenharia da unico
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