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Mercado de carbono: tentar proteger o agronegócio pode sair pela culatra

Mercado regulado de forma inteligente criará um cenário que canalize investimentos para custear a redução de emissões de carbono

Embora a crise climática demande soluções urgentes, é ainda mais importante que sejam eficientes (Jaelson Lucas/AEN/Agência Senado)

Embora a crise climática demande soluções urgentes, é ainda mais importante que sejam eficientes (Jaelson Lucas/AEN/Agência Senado)

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Publicado em 11 de abril de 2022 às 16h35.

Última atualização em 11 de abril de 2022 às 23h20.

Por Cinthia Caetano Carvalho*

Historicamente, o Brasil é visto como um país de enorme potencial, privilegiado em termos de biodiversidade e recursos naturais — tem as maiores reservas de água doce e floresta tropical do planeta, além de grande variedade de espécies de fauna e flora. Em relação à extensão territorial, a nossa força fica ainda mais evidente: estamos entre os cinco maiores países do mundo.

Todas essas características tornam bastante possível a construção de um modelo econômico sustentável por aqui. Com potencial de atingir US$ 250 bilhões anuais até 2030 com o Artigo 6 do Acordo de Paris (de acordo com estudo da Universidade de Maryland), o mercado de carbono pode ser protagonista nesse processo. Um avanço nesse sentido é a regulamentação do mercado de carbono no Brasil, que é necessário e representa um futuro que já começou.

Está em tramitação no Congresso Nacional um Projeto de Lei (PL) que aborda justamente essa questão. O PL 528/21, de autoria do deputado Marcelo Ramos, surgiu originalmente com a ideia de trazer mais segurança jurídica para o mercado voluntário (sem metas de redução obrigatórias).

O projeto foi tão bem recebido pelo setor privado e pela sociedade civil que, com suas contribuições, evoluiu para a uma proposta de PL substitutivo para regulamentar o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões, para estabelecer compromissos de redução e compensação de emissões para os setores da economia com maior índice de emissões de gases de efeito estufa — o que seria a forma mais eficiente de estruturar o novo mercado.

Contrariando a expectativa, a evolução do processo legislativo na Comissão do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável esvaziou a proposta. O PL 528/21 foi, junto com outros projetos relativos a tributação e esforços de baixo carbono, apensado ao PL 2148/2015 — com a relatoria da Deputada governista Carla Zambelli — e, a partir de dezembro de 2021, a lógica de regular os principais emissores foi substituída por uma nova versão, que prevê expressamente que “...não se consideram atividades reguladas as atividades agropecuárias e florestais…” (art.1º, §2º). Acontece que essas são as fontes de três quartos das emissões no Brasil.

De acordo com o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), uma iniciativa do Observatório do Clima, cerca de 75% das fontes de emissão dos gases de efeito estufa no Brasil em 2020 (aproximadamente 1,57 Gigatoneladas de dióxido de carbono equivalente - GtCO2e) são atribuídas à mudança do uso do solo por pressão do desmatamento (997 MtCO2e) e a agropecuária (577 MtCO2e). Portanto, a expectativa seria a de que a regulamentação trouxesse o agronegócio para contribuir centralmente.

A redação encaminhada para a votação no Plenário da Câmara em regime de urgência até prevê a possibilidade de integrar projetos de agropecuária e floresta ao mercado voluntário (sem metas), mas se as atividades do setor não forem reguladas, corre-se o risco de provocar a falta de equilíbrio crônica entre oferta e demanda. Ou seja: se a regulação for implementada somente para as atividades presentes nos 25% restantes das fontes de emissão de carbono, podemos ter excesso de oferta voluntária para responder à pouca demanda regulada, levando a preços tão baixos que o sucesso da nova política pública poderá ficar inviável.

O mercado de carbono voluntário, que hoje adota governança internacional independente de governos, já é uma excelente ferramenta para premiar a eficiência das boas práticas aplicadas no agronegócio e diferenciá-las das atividades que não têm essa mesma função. A criação de metas de redução para os maiores emissores contribuirá para a agenda climática do Brasil e, ao mesmo tempo, catalisará a transição do setor rumo às melhores práticas.

Entretanto, no formato do projeto de lei atual, que está na agenda legislativa prioritária do governo e deve entrar na pauta da Câmara dos Deputados em breve, o esforço de proteger o agronegócio artificialmente vai acabar por ter o efeito oposto, prejudicando produtores rurais e a indústria do setor, pelo desenho economicamente ineficiente.

É possível que o executivo tenha percebido essa falha, porque desde a semana passada passou a circular por grupos de WhatsApp um esboço de uma versão alternativa não oficial, sem autoria clara, mas atribuída à Secretaria Especial de Produtividade e Competitividade, ligada ao Ministério da Economia. O documento se distancia muito da proposta de dezembro que hoje tramita na Câmara com apoio da própria base do governo e deletou o texto que excluía as atividades agropecuárias e florestais. Apesar dessa melhoria, o balão de ensaio pecou em questões jurídicas e estruturais do mercado, além de deixar de fora os benefícios tributários, e, no geral, é pior.

Embora a crise climática demande soluções urgentes, é ainda mais importante que sejam eficientes. Somente um mercado regulado de forma inteligente criará um cenário que canalize investimentos para custear a redução de emissões da agropecuária e do desmatamento.

*Cinthia Caetano Carvalho é VP Corporate do Future Carbon Group

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