Lula teve sua proposta fiscal aprovada pelos deputados (Rovena Rosa/Agência Brasil)
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Publicado em 26 de maio de 2023 às 18h00.
Última atualização em 26 de maio de 2023 às 18h11.
Por Márcio de Freitas*
A votação do arcabouço fiscal foi a demonstração cabal do encolhimento do presidencialismo brasileiro. Lula III é menor do que Lula I; e infinitamente reduzido se comparado com Lula II. É efeito do crescimento desproporcional do poder do Legislativo e do protagonismo inexorável do Judiciário conquistados durante as gestões posteriores de Dilma Rousseff, Michel Temer e Jair Bolsonaro.
O governo Lula teve sua proposta fiscal aprovada pelos deputados, apesar de ela não ser assim tão propriamente do governo, que prefere mais gastar do que controlar as despesas. É projeto que resultado de uma cobrança do mercado, com amplo apoio da base conservadora do Câmara — e que dever de se repetir no Senado. O PT não vetou, mas votou a contragosto por determinação do Palácio do Planalto.
Foram 372 votos favoráveis, 108 contra. Mas até o carpete verde da Câmara está puído de saber que a vitória pertence a Arthur Lira, o presidente que comandou a pauta dos deputados no seu próprio ritmo. As matérias que Lira rejeita não terão o mesmo destino, pelo contrário. O placar deve ser inverso, em derrotas tão berrantes quanto foi a vitória desta semana. Os limites do governo ficaram menores com a expansão do poder do presidente da Câmara.
A marcha do legislativo é tão acelerada que move com mais força até mesmo as reações internas ao veto do Ibama, que negou licença à Petrobras para perfurar a margem equatorial, nas cercanias do Amazonas, em busca de mais recursos fósseis de combustível para abastecer o país. O parlamento se move com estridência, empurrando o executivo a mudar a decisão, deixando ilhada a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.
O movimento de enfraquecimento ainda inclui as Comissões Parlamentares de Inquérito, várias, instaladas para apurar invasões do MST e dos vândalos que atentaram contra as instituições democráticas no dia 8 de janeiro. O governo ficou refém de uma pauta negativa, porque perdeu o controle da agenda parlamentar.
O sintoma está claro, e mudar esse quadro exigirá algo que não há na área política neste momento. O sociólogo Marx Weber atribuía ao carisma um diferencial dos líderes. Lula é sem dúvida um líder carismático. Mas já foi mais. Seu carisma hoje está menor, limitado num país dividido após a eleição e que ainda mantém a polarização em grande parte da ação política diária. Sua popularidade neste momento enfrenta a barreira do tempo, afinal ele é o político mais longevo do país em atividade. Os anos desgastam, naturalmente. Sucessores se projetam com relativa desenvoltura.
A falta de entregas num governo principiante também cobra sua fatura. Ele enfrenta mais dificuldades do que se projetava internamente antes da vitória — e não foi exatamente o que vendeu ao eleitor. Além disso, o Congresso se assomou das verbas que, no passado, permitiam construções políticas por cooptação com recursos públicos destinados às bases eleitorais. Isso já não está mais no controle do Palácio ao Planalto. Hoje, as emendas são impositivas e as lideranças congressuais passaram a determinar o destino do dinheiro reservado a cada beneficiado — ou a brigar por esse controle. Essa independência no mecanismo orçamentário mudou a correlação das forças políticas.
Outro fator a ser levado em conta: redes sociais. Parlamentares são cobrados instantaneamente pelos seus posicionamentos no Congresso. Qualquer lapso, falha, frase mal colocada é explorada em diferentes plataformas. Assim como são aplaudidas as lacrações e ataques baixos aos adversários. O clima de jogo de várzea contamina a política e favorece a polarização. O resultado é que, mesmo que haja certa concordância do parlamentar com algumas teses legais, ele se mantém afastado do governo por temer a reação dos eleitores virtuais.
O fenômeno do Judiciário anabolizado é outro que Lula III encontrou posto para delimitar ainda mais sua capacidade de governo. O poder Supremo tem presença garantida em vários temas nacionais, seja por inércia do Legislativo/Executivo ou por ação de ambos no sentido de criar atritos que exigem a intervenção nem sempre moderada para decidir quem tem razão. Não só em relação a leis, mas a inquéritos, processos, eleições passadas e futuras…
Os três Poderes hoje estão diferentes do passado. Mesmo que queira, Lula não conseguirá ser o mesmo que foi até 2010. Ainda faltam mais de três anos e meio para saber quem será Lula III, e seu real tamanho para a história.
*Márcio de Freitas é analista político da FSB Comunicação
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