Tédio pode ter sido extinto por decreto, projeto de lei ou liminar (© Abdias Pinheiro/SECOM/TSE/Agência Brasil)
Bússola
Publicado em 19 de maio de 2022 às 16h31.
Última atualização em 19 de maio de 2022 às 16h39.
Por Márcio de Freitas*
O novo normal da política brasileira erradicou o tédio do cotidiano. Em tempos distantes, alguns posicionamentos seriam exceção; nos dias atuais a exceção se tornou regra. E como a lei da ação prevê reação contrária em sentido inverso de igual intensidade, temos uma escalada everestiana desproporcional no noticiário diuturno. Ao infinito e além, parede ser o lema dessa história que não é brinquedo.
É difícil saber se o tédio foi extinto por decreto, projeto de lei, liminar ou súmula vinculante. Fato é que ele se encontra em isolamento total, mais intocado nos últimos dias do que tribos desconhecidas da Amazônia. Ou talvez numa solitária, desterrado pelo golpe da teoria conspiratória criada em grupos de linha de transmissão de aplicativos. Neste caso, o tédio habita a cela ao lado do bom humor, companheiro de exílio da civilidade e da isenção jornalística.
O país polarizado não estabelece diálogo e anula os matizes. Curiosamente repete o passado no museu de grandes inovações fracassadas. A tendência geral é de simplificação do quadro. E aí temos o erro repisado e amassado que se come no café da manhã servido pelo garçom com pé de bode.
Há hoje eleitores que rejeitam um polo ou outro. Não tendo onde se agregar por falta de alternativa, escolhem o mal menor. Engolem o diabo e seus detalhes com os farelos da coerência porque rejeitam o discurso às extremas esquerda ou direita se juntando ao extremo mais próximo. Há insatisfação visível no ar, quase possível de se passar nela a faca e lambuzar ao meio o pão do padeiro tinhoso. É, neste caso, a desesperança da falta de futuro neste eterno dia da marmota (o filme é alegoria indefectível), mas que nos prende, na verdade, à caverna de Platão: só se vê sombras.
A história da taba brasilis revela alguns líderes que souberam interpretar seu tempo e mudar o sentimento predominante para romper com ciclos improdutivos e avançar. O Brasil tem bons exemplos: Juscelino Kubitschek de Oliveira, que assumiu a Presidência sob risco de ser impedido de sentar na cadeira em 1956. Eleito, viu a UDN tentar impugnar o resultado. O presidente interino Carlos Luz articulava uma puxada de tapete para evitar a posse.
JK precisou do apoio dos militares para começar seu governo, e foi o general do Exército Henrique Lott que garantiu a breve continuidade da democracia brasileira, num exemplo militar de legalidade e respeito à Constituição. O então presidente assumiu, não perseguiu os adversários mas se impôs para estabelecer a ordem. Os conflitos surgidos durante seu mandato foram anistiados e perdoados (Aragarças e Jacareacanga). Pacificou a nação e transmitiu o poder ao sucessor, o adversário e crítico Jânio Quadros, que trocou os pés pelos copos e cambaleou pela porta dos fundos, mas essa é outra história ruim.
Outro foi Tancredo Neves, costureiro da transição com o menor trauma possível do fim do regime militar para a democracia nos idos da década de 1980. Gastou saliva e sola de sapato para unir comunistas e liberais, civis e militares, empresários e trabalhadores num mesmo projeto de nação, mantendo a ordem sem perder o sentido da incorporação das novas liberdades políticas e de organização social. Transitou entre diferentes sem arma branca e permitiu ao país o retorno da democracia, em busca de um tédio nunca alcançado… Tancredo se foi sem nunca ter sido, como dizem, e o Brasil também seguiu sem ser plenamente. José Sarney o substituiu e cumpriu os acordos fechados, com comunistas e capitalistas.
O que falta hoje é esse tipo de líder que busca compreender seu tempo, as circunstâncias de seus cidadãos, e suas posições divergentes, negociando em busca de consensos sociais em torno do Executivo, mediando com o Legislativo e só levando ao Judiciário o que exigir arbitragem legal. Infelizmente, faltam líderes em todas esferas à altura do desafio, até o momento. Já há muitos excluídos sociais no país, e cria-se uma nova categoria: os excluídos políticos da cidadania pelo futuro.
É bom lembrar que, a um lado ou ao outro, se o extremo se soma ao centro, tem-se maioria. Silenciosa, mas com insatisfação crescente. E enquanto há conflitos e brigas, os problemas reais são jogados às calendas. Mas, e se a turma que formou certa maioria acordar, quem segura? Bom lembrar que Ulysses Guimarães costumava dizer que político só teme uma coisa: gente na rua. Em tais casos, o tédio se esconde por medo do que possa acontecer.
*Márcio de Freitas, Analista Político da FSB Comunicação
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