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Marcio de Freitas: O velho normal da política

Com a volta de Lula ao poder, a velha política volta a ocupar o lugar normal nas relações entre os Poderes, coisa que, por quatro anos, não era vista em Brasília

Lula III restaurou o velho normal da política (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Lula III restaurou o velho normal da política (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

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Publicado em 29 de dezembro de 2022 às 21h25.

Última atualização em 31 de dezembro de 2022 às 09h44.

Por Márcio de Freitas*

A formação do novo governo de Luiz Inácio da Silva, o Lula III, restaurou o velho normal da política. Há um partido hegemônico, o PT. Em torno dele gravitam outros aliados, alguns de primeira hora, e alguns que chegaram para provar a lealdade quando os portões estavam se fechando no vestibular da base de sustentação ao Palácio do Planalto.

Tudo é construído com diálogo, organização e comando. Há hierarquia clara. Lula é o mandatário, a instância final decisória. Compõe nos seus termos. É o velho jogo da política, onde companheiro fiel é o primeiro alvo das atenções, mas vão se agregando outros setores na conversão. O processo é de busca de hegemonia, racional e com pavimentação de curto, médio e longo prazos – sempre com alternativas para evitar que a inviabilização de uma rota venha a impedir a continuidade do processo.

Lula enfrentou as expectativas do mercado para construir seu projeto político. Colocou Fernando Haddad no Ministério da Fazenda, nome que banqueiros e empresários ainda estão tentando engolir, com alguma dificuldade. Até agora, o futuro ministro organiza seu discurso de forma a não ameaçar os pilares do equilíbrio de contas. Demonstra ter visão crítica sobre as “passadas de pano” do mercado aos eventuais arroubos cometidos pelo ímpeto eleitoral do governo Bolsonaro em 2022. Em termos de dois pesos, as medidas são nitidamente desiguais.

Haddad deu uma rasteira na desoneração dos combustíveis, artifício usado para baratear os derivados do petróleo em ano eleitoral - e com isso turbinar a campanha do candidato do PL. O governo federal fez esse agrado aos petroconsumidores com o chapéu da arrecadação dos governos estaduais e deixando a conta ao futuro governo. O esqueleto está fora do armário, pois o Supremo Tribunal Federal já determinou a compensação de perdas aos entes federados – até porque isso estava previsto em lei aprovada pelo Congresso, vetada pelo presidente e, depois, com o veto derrubado. A conta está rolando numa negociação mediada pelo STF, em que os números não batem. Mas o boleto final será do contribuinte…

Ao pedir ao atual governo não prorrogar o mecanismo, Haddad pode aumentar os combustíveis em janeiro, mas desarma a bomba. Terá tempo para rever a política de preços da Petrobras, outro filme de terror aos quitandeiros da Faria Lima. Sua ação surpreendeu o mercado, diminuindo o tamanho dos gastos no primeiro ano de Lula III sem ter sequer uma caneta bic para chamar de sua.

Por estas e outras, Haddad ganha relevância natural. Uma parte central do governo estará sob sua gestão. Se bem sucedido em superar os obstáculos, e não são poucos, ganha credenciais para a sucessão de Lula, seja em 2026, seja em 2030. Foi por isso que o anunciado ministro da Articulação Institucional, Alexandre Padilha, usou outro artifício da velha política para mostrar que certas versões que começavam a circular na mídia não eram para serem compradas pelo valor de face.

Em entrevista no hotel onde está Lula III, Padilha sutilmente mostrou que não era tão turbinado com o Programa de Parceria de Investimento (PPI) o Ministério do Planejamento oferecido a Simone Tebet do MDB. Haddad teria participação no programa, e também o futuro ministro da Casa Civil, Rui Costa – outro que ganhará natural relevância, podendo ser uma alternativa de poder. Basta lembrar que Dilma Rousseff saiu desse mesmo ministério para disputar a Presidência da República em 2010.

Hoje o PT observa Simone sob dois ângulos: uma eventual aliada importante no futuro, quem sabe até como vice de Haddad ou Rui Costa; ou como adversária numa nova tentativa de disputar o Palácio do Planalto, como ela fez este ano. Alguns petistas vêem em Tebet a aliada que ajudou Lula a superar Bolsonaro no segundo turno; outros a vêem como a candidata que impediu a vitória de Lula no primeiro turno. A ambiguidade não se desfez.

Lula arbitrou usando artifício da velha política, manter possíveis adversários por perto, sob vigilância, é melhor que deixá-los longe e soltos para engrossarem o campo dos opositores. Simone havia pedido os bancos públicos, ficou sem. Pediu o PPI, mas terá de compartilhar o programa com dois petistas fortes. Ou seja, seu voo foi limitado. Mas ela hoje é uma subordinada de Lula III.

A velha política volta a ocupar o lugar normal nas relações entre os Poderes. Coisa que, por quatro anos, não era vista em Brasília. Aos leitores da coluna, Feliz Ano Novo.

*Márcio de Freitas é analista político da FSB Comunicação

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