Bússola

Um conteúdo Bússola

Márcio de Freitas: o regime neoliberal de Luiz Inácio

Por isso que muitos não apreciam a democracia: é o regime em que, nas eleições, melhor esconder do que ser transparente

Há eleição neste ano com um adversário que tem demonstrado resiliência junto ao seu eleitorado, e tem a máquina na mão (NELSON ALMEIDA / AFP/Getty Images)

Há eleição neste ano com um adversário que tem demonstrado resiliência junto ao seu eleitorado, e tem a máquina na mão (NELSON ALMEIDA / AFP/Getty Images)

B

Bússola

Publicado em 7 de janeiro de 2022 às 16h25.

Última atualização em 7 de janeiro de 2022 às 17h05.

Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a EXAME. O texto não reflete necessariamente a opinião da EXAME.

Por Márcio de Freitas*

Com uma inflação na casa de dois dígitos, um certo governo aumentou os juros da taxa Selic para 25,5%. Jogou a meta de superávit primário para 4,25% do produto interno bruto, quando a anterior era de 3,75%. Realizou cortes de gastos radicais para garantir a solvência do Tesouro Nacional, reduzindo o percentual de endividamento nacional. E fixou meta de inflação em 8,5% para o ano então corrente. Se avaliasse as medidas, Milton Friedman aplaudiria ao lado de Roberto Campos. Neoliberalismo puro!

Veja alguns nomes daquela equipe econômica: Henrique Meirelles, Joaquim Levy e Marcos Lisboa. Liberais inteligentes, articulados e bem-sucedidos, não necessariamente nesta ordem predicativa. Foi um dos governos que mais implementaram medidas liberais para obter resultados financeiros, contábeis e administrativos. O presidente da República era Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-sindicalista eleito depois de três derrotas seguidas.

Ao Congresso, Lula mandou uma reforma da Previdência que atingia o servidor público. A voz esganiçada de Heloísa Helena trincou a aguda divisão do Partido dos Trabalhadores. De sua costela nasceu o PSol como fruto da discordância profunda que atingiu a base de apoio de Lula no ano de 2003. No ministério havia figuras como o empresário Luiz Fernando Furlan e Roberto Rodrigues, um dos maiores conhecedores do agronegócio brasileiro. A nata da elite no governo do metalúrgico.

O governo petista emulou herança positiva do governo de Fernando Henrique, radicalizando os indicadores e as medidas. Surpreendeu o mercado e obteve bons resultados. Com o boom de commodities no mercado internacional, Lula teve tempo e receita de implementar o Bolsa Família, cumprindo um compromisso de campanha.

A união de ortodoxia econômica com compromisso social elevou sua popularidade e permitiu que atravessasse o deserto do mensalão para ser reeleito em 2006.

O pragmatismo determinou as medidas que trouxeram resultados positivos ao país durante as duas administrações de Lula. Crescimento e distribuição de renda jogaram sua popularidade na casa dos 80%. E ele garantiu a continuidade com a eleição de Dilma Rousseff, que formulou a nova matriz econômica e colocou tudo a perder…

Após 12 anos fora do Palácio do Planalto, Lula sonha em voltar para colar os pedaços do cristal trincados pela Lava-Jato. De qual Lula se fala, difícil saber. Ele mesmo se definiu como uma metamorfose ambulante. Em recente artigo, o ex-ministro Guido Mantega foi escalado para falar como conselheiro do ex-presidente. Mantega era a dissidência do receituário implementado no início do mandato petista. Com apoio de Dilma, mudou os pilares econômicos. Deixou a casa exposta às chuvas e à recessão.

No artigo, atribui as mazelas econômicas atuais aos governo de Michel Temer e a Jair Bolsonaro. Tinge o cenário com efeito político e esquece as mudanças promovidas durante a gestão de Dilma, como transferir recursos ao BNDES para forçar a economia a crescer com empréstimos de juros menores dos que os pagos pelo Tesouro. Ou as mudanças malfeitas no sistema elétrico que deram curto circuito e jogaram as tarifas no mundo da lua para empresas e consumidores. Ou a política de preços da Petrobras, que gerou prejuízo de transformar a corrupção em gorjeta.

O apagador mental funciona no texto como uma pedalada intelectual para tentar limpar a barra do partido e da “presidenta”. É por isso que é duro definir qual Lula fala a sério como candidato, pois em encontros com empresários e banqueiros, ele fala o que seus interlocutores querem ouvir. É sempre o pragmático. Em privado, defende a iniciativa privada. Em público, socializa os recursos do Tesouro.

A estratégia preserva a ação de um possível governo futuro. Mas fica tão no escuro que acentua o drama do presente. Há eleição neste ano com um adversário que tem demonstrado resiliência junto ao seu eleitorado, e tem a máquina na mão. Lula ainda enfrentará uma mídia hostil.

Em certos momentos, deixar que falem por ele pode parecer um caminho simples para não comprometer. É ingenuidade do líder nas pesquisas. Usarão tudo para atacar, seja de sua boca, seja de interlocutores próximos ou distantes. Não interessa. Eleição é período em que, por falta de clareza, melhor confundir para esperar a apuração.

Enquanto isso, a bolsa de valores anda de lado. O emprego anda para trás. A economia fica estacionada e o país continua perdendo tempo na visão do eleitor. É por isso que muitos não apreciam a democracia: é o regime em que, nas eleições, melhor esconder do que ser transparente. Mas a conta sempre aparece para o cidadão.

*Márcio de Freitas é analista político da FSB Comunicação

Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a EXAME. O texto não reflete necessariamente a opinião da EXAME.

Siga a Bússola nas redes: Instagram | LinkedinTwitter | Facebook | Youtube

Veja também

Acompanhe tudo sobre:Bússola PoderEleições 2022Luiz Inácio Lula da Silva

Mais de Bússola

Concessionária de cemitérios em SP faz parceria para inclusão social de jardineiros autônomos

Empresa chinesa testa modelo 'live commerce' no Brasil

Rede de hospitais consegue certificações em 'Primeiros Socorros em Saúde Mental'

Opinião: Parcerias Público-Privadas (PPPs) são essenciais para garantir o futuro econômico do país