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Márcio de Freitas: O novo padrão ouro nas relações com a China

É preciso trabalhar com os chineses com sobriedade e uma boa dose de paciência, confuciana, para obter o desejado sucesso

Desde os anos 70 o dólar é a moeda de referência internacional  (Ricardo Stuckert/PR/Divulgação)

Desde os anos 70 o dólar é a moeda de referência internacional (Ricardo Stuckert/PR/Divulgação)

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Publicado em 17 de abril de 2023 às 18h30.

Foi em Bretton Woods, já quase no fim da Segunda Guerra Mundial, que o padrão ouro perdeu espaço e o dólar dos Estados Unidos passou a dividir com o metal a referência para valor de troca nas negociações de comércio internacional. A força da economia estadunidense se fez prevalecer inclusive sobre a presença de um já fragilizado Lord Keynes que viria a morrer alguns meses depois do encontro. 

O governo de Richard Nixon enterrou de vez o padrão ouro e, desde a década de 1970, o dólar é a moeda de referência internacional. Esta semana, durante viagem à China, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva perguntou quem tomou a decisão de que seria a moeda dos Estados Unidos o padrão mundial para comércio. Foi provocação. Ele sabe a resposta. O recado foi para o uncle Biden. 

Foi um alinhamento à China com duro recado aos Estados Unidos. A hegemonia norte-americana conquistada após a queda do Muro de Berlim vem sendo cada vez mais questionada pelos chineses, com um Oriente que se desenvolve muito mais do que o Ocidente. E representa mais em termos de intercâmbio comercial para o Brasil do que o país de Joe Biden. Somente em superávit com a China, a balança brasileira registrou em 2022 cerca de US$ 30 bilhões. 

O uso da moeda local seria forma de diminuir a força dos Estados Unidos no mercado mundial. Teriam menor poder econômico e político. Países podem desenvolver essas trocas, e isso tem acontecido em negociações bilaterais. Não é um fenômeno entretanto consensual ou generalizado, porque ainda há certa relutância em abandonar o dólar.  

Em primeiro lugar, a moeda americana é amplamente aceita como padrão em vários mercados. Facilita a multi-lateralidade. Em segundo lugar, suas regras são conhecidas e transparentes. Trocar por outra moeda exigiria que a substituta também tivesse a mesma credibilidade internacional. Não é o caso. 

O lastro do yuan chinês não é o mesmo que o dólar. Há alguns anos, para favorecer suas exportações, a China mantinha com artificialidade a cotação de sua moeda abaixo do que deveria realmente ser. Não é coisa do século passado… E isso é uma arma e tanto nas trocas com outros parceiros. Logo, se a moeda americana foi imposta pelo seu emissor como padrão internacional, acabou se firmando pela credibilidade que adquiriu ao longo dos anos. 

A cotação do yuan também foi imposta durante certo período, e a China foi muito pressionada a ajustar a cotação à realidade. Resistiu o quanto pode. Fato que a beneficiou. O problema de se fugir de uma realidade incômoda é cair em outra, com novos e diferentes riscos.  

Verdade que os chineses ainda têm disposição para investimentos em setores estratégicos ao Brasil, como infraestrutura. Eles teriam ganhos neste setor ao se associarem a empresas brasileiras, e poderiam ainda baratear o escoamento logístico de vários produtos que consomem, como carnes, soja e minérios. Pode ser vantajoso para ambos.  

O maior interesse da China é o interesse chinês. Onde investem, eles gostam de usar sua mão de obra. Essa já foi uma barreira em outros momentos para o investimento deles no Brasil, que não aceita esses termos,  e quer usar mão de obra brasileira. A negociação haverá de colocar os termos com maior clareza. Os termos brasileiros são conhecidos. 

Há muitas oportunidades, mas também riscos na relação com a China. Entrar alegre demais pode trazer alguma tristeza futura. É preciso trabalhar com os chineses com sobriedade e uma boa dose de paciência, confuciana, para obter o desejado sucesso. E defender seu próprio patrimônio, para não trocar um império por outro de olhos mais apertados.  

*Márcio de Freitas é Analista Político da FSB Comunicação 

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