Trabalhadores são afetados pela alta nos preços dos derivados de petróleo ou do etanol (Busakorn Pongparnit/Getty Images)
Bússola
Publicado em 19 de agosto de 2021 às 17h40.
Última atualização em 19 de agosto de 2021 às 19h00.
Por Márcio de Freitas*
Não só caminhoneiro queima combustível. Quase todos os trabalhadores são afetados pela alta nos preços dos derivados de petróleo ou do etanol. E as demandas por commodities afetam os preços dos grãos usados na alimentação de gado, porcos e aves oferecidas em supermercados. A seca diminui a produtividade no campo. Com demanda elevada a pouca oferta se traduz na vida real em carestia. É a inflação, excelência!
O preço médio da gasolina foi de 4,19 reais em 2018, ano em que os caminhoneiros pararam o país por duas semanas em protesto pela alta do custo de transporte, frente ao valor baixo do frete. Dois anos depois, houve um incremento de 50% no valor cobrado nos postos de abastecimento. O valor médio supera 6,40 reais em algumas cidades.
Os exemplos podem ser muitos na feira de aumentos diários percebidos pela população. Alguns produtos tiveram alta até maiores. É isso que faz a pessoa escolher a forma de cozinhar: opta pelo gás, pagando mais de 100 reais pelo botijão; ou usa lenha, para ter algo comestível a colocar na panela durante todo o mês com seu salário-mínimo der 1.100 reais.
A realidade não é de direita nem de esquerda. Ela acerta as pessoas em cheio no seu cotidiano mais básico. E no acumulado do ano, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumula 8,99% em 12 meses. Projeta-se, com otimismo, resultado acima de 7% em 2021. A energia elétrica deu choque no bolso do cidadão, pois saltou 7,88% puxada pela bandeira vermelha que tenta inibir os gastos diante da seca dos reservatórios das hidrelétricas do Sul-Sudeste. Em julho, a bandeira vermelha sofreu correção de 52% para tentar evitar um apagão futuro.
Esse curto-circuito nas finanças das famílias é maior ainda quando se olha para o IGP-M da Fundação Getulio Vargas. A alta anual acumulada é de 15,98%. Índice usado como correção de contratos de aluguel, tem sido abandonado nas negociações para manter bom inquilino que paga em dia. O indicador percebe custos da produção agrícola, como fertilizantes e defensivos, importados que são cotados em dólar. São insumos da produção agropecuária.
Mesmo a construção civil sente erguer os preços das matérias usadas para levantar paredes de prédios e casas. Em julho foi de 1,24%, depois de cimentar 2,3% em junho. Associado à escala da taxa Selic do Banco Central, que saiu de 2% no começo do ano para 5,25% mas já é vista no horizonte a 7% para neutralizar a carestia, o preço de financiamento da sonhada casa própria vai ganhando contornos tão tortuosos quanto às obras sinuosas de Gaudí. A tendência da curva ascendente de vendas de imóveis pode desabar nesse cenário.
É nesse contexto que o presidente Jair Bolsonaro passa seu ano pré-eleitoral. Não é um bom presságio. Conjugado com isso, a instabilidade provocada pela política, e muitas vezes insuflada com palavras e discursos do próprio presidente, despertou no empresariado vozes que normalmente se calam. Defendem aqui e ali a democracia, as eleições e as regras do jogo previstas na Constituição. É um caldo mexido pela imprensa, com gosto, diga-se.
O tempero dessa mistura veio pelas mãos do Ministério da Economia, remetente ao Congresso de uma alteração nas regras do imposto de renda que, ao que dez entre dez tributaristas calculam, significa maior arrecadação, portanto maior retirada de recursos do bolso do cidadão, ou o chamado contribuinte. Santa sensibilidade, Batman!
Enquanto todos estavam distraídos se devorando nessa autofagia bem nacional, chegou um meteoro de 90 bilhões de reais — em forma de precatório. Era a cereja no bolo que pode implodir o teto de gastos — porque a lógica do governo ainda é manter gastos ou até ampliar um pouco no ano reeleitoral do presidente. Diante da situação já difícil da tramitação da reforma tributária na Câmara, a alternativa escolhida pelo governo foi mandar uma Proposta de Emenda Constitucional para tentar solucionar o caso dos precatórios.
A saída gerou ainda maior especulação de mercado sobre a capacidade do governo de saldar suas dívidas e manter a saúde fiscal diante da pressão por dispêndios eleitorais. Um equilíbrio delicado, senão impossível neste momento. Além da inflação que batia na parte baixa da pirâmide social, agora esse quadro instável criou marola no topo. E o imposto de renda segue se propondo a cortar o centro da classe média que ameaça regredir para a base da pirâmide com o empurrão governamental.
É por isso que as pesquisas, quase todas, indicaram piora na popularidade do governo e maior dificuldade para a reeleição de Bolsonaro. Tudo junto, parece a imagem de um grande meteoro em direção ao governo…
*Márcio de Freitas é analista político da FSB Comunicação
Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a EXAME. O texto não reflete necessariamente a opinião da EXAME.
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