Debate precisa reconhecer que Petrobras por ser bem administrada, dar lucro ao próprio contribuinte e reduzir seu endividamento (Luiz Souza/NurPhoto/Getty Images)
Bússola
Publicado em 29 de outubro de 2021 às 12h45.
Por Márcio de Freitas*
Um limite mais firme na interferência de governos em empresas estatais completou cinco anos em junho, a Lei das Estatais. Foi uma obra legal arquitetada pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), após o maior escândalo envolvendo verbas, manipulação de preços e negócios mal feitos na maior empresa estatal do país, a Petrobras. Os pilares impostos mostram sua força até hoje, com barreiras que evitam a interferência de decisões políticas populistas na administração de empresas do governo, ou compartilhadas com acionistas. Foi a receita contra prejuízos a serem pagos por toda a sociedade, como foi o caso, naquele período, da desvalorização das ações da Petrobras, que assumiu nível absurdo de endividamento por decisões sem base administrativa ou econômica, mas somente por interesses eleitorais do governo de plantão.
Essa lei tem ajudado a sustentar a política de preços para combustíveis, apesar das muitas críticas e da pressão eleitoral que aflora com a proximidade de 2022. A tendência é de crescimento no número de pedras jogadas contra a Petrobras, onde o lucro registrado no terceiro trimestre deste ano superou os R$ 31 bilhões.
A cada elevação da cotação do barril do petróleo no mercado internacional ou do valor do câmbio do dólar no país, os custos são repassados ao consumidor em uma linha direta que chega aos postos de combustíveis quase instantaneamente. Os gestores se mantêm firmes, e podem até cair, como foi o caso de Roberto Castello Branco — ex-presidente da Petrobras, substituído pelo general Joaquim Silva e Luna. Mas a política de paridade de preços com as cotações internacionais se manteve até agora.
E a firmeza é sustentada pelos ditames da Lei 13.303/2016, com suas regras de governança que cobram posições transparentes, com gestão de riscos e controles internos, os quais enquadram as empresas de economia mista, com acionistas, nas regras da Comissão de Valores Mobiliários — com elaboração de demonstrações financeiras e auditorias regulares. Barrou-se, inclusive, indicações puramente políticas e se estabeleceu uma série de requisitos para melhorar a qualidade dos dirigentes dessas empresas. Ou seja, a nova regra impôs o ditame de quem tem seu CPF na reta, tem medo.
A lei explicitou a obrigação de que, no caso das ações para atendimento ao “interesse coletivo”, haja definição clara de recursos a serem empregados, “bem como os impactos econômico-financeiros da consecução desses objetivos, mensuráveis por meio de indicadores objetivos”. Ou seja, as decisões necessitam de fundamentos.
Esse é um fator de modernidade do estado brasileiro que é criticado por políticos, à direita e à esquerda. Por discordar do procedimento, Bolsonaro já trocou um presidente da Petrobras; Lula disse que a empresa trabalha para os seus acionistas, ao reclamar dos preços do combustível.
Ora, como a empresa é em grande parte do governo (37%), o acionista controlador é o povo — que se faz representar pelos seus eleitos na indicação dos gestores. Quando não se respeitou o interesse do controlador (esse tal povo), a empresa perdeu valor de mercado e deu prejuízos nos governos da petista Dilma Rousseff. O custo foi o endividamento, com prestações abatidas até hoje, e por mais alguns anos.
A Petrobras deve esclarecimentos ao controlador, aos minoritários e aos consumidores, claro. O preço do barril é contado em dólar. Sua extração de poços se dá a milhares de metros da superfície do mar, na camada do pré-sal. Exige pesquisa, investimento em plataformas (produzidas fora do Brasil e pagas em dólares), dutos, e navios para transporte. O Refino também está conectado com procedimentos dolarizados de commodities. Mas grande parte das operações ocorre no Brasil, com valores em reais. O câmbio favorável pode inflar o lucro da empresa. Isso precisa ser sempre observado.
Essa dubiedade operacional de moedas incita a crítica, até porque houve ganhos de eficiência na extração do pré-sal, por exemplo. Os custos foram reduzidos drasticamente, com grande produtividade. Poderia ser repassado aos preços? Talvez sim, mas o debate fica nisso, sem avançar. A lei das estatais não manda a empresa atender o interesse do consumidor amplo da empresa, mas o acionista. Se a lei deve ser obedecida, o procedimento está corretíssimo e a gestão perfeita.
A quem caberia discutir, por exemplo, o que fazer com os dividendos da empresa? Talvez o governo, que recebe uma boa bolada? A empresa recolheu em impostos mais de R$ 150 bilhões aos cofres do Tesouro Nacional em 2021. E pagou em dividendos R$ 15 bilhões (de um total de R$ 41 divididos entre todos detentores de ações com esse direito. Dos 31 bilhões do terceiro trimestre, a fatia pro governo será de 11,4 bilhões.
Se alguém quiser aproveitar e discutir a destinação desses dividendos (que o governo quer taxar na reforma do IR) para o vale gás, focado na população mais vulnerável, ou ações compensatórias de renda em outros programas, seria mais interessante do que jogar mais pedras na estatal. E mais criativo do que xingar a Petrobras por estar sendo bem administrada, dar lucro ao próprio contribuinte e reduzir seu endividamento (fruto da má-gestão, da corrupção e do populismo do passado). Falta gás nesse debate.
*Márcio de Freitas é analista político da FSB Comunicação
Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.
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