Bússola

Um conteúdo Bússola

Márcio de Freitas: Ensaio sobre o autoengano

Brasil se tornou o país da reforma permanente e a reforma tributária é só mais um capítulo

O governo federal pode ficar dono do maior bolo da arrecadação (Gabriel Vergani / EyeEm/Getty Images)

O governo federal pode ficar dono do maior bolo da arrecadação (Gabriel Vergani / EyeEm/Getty Images)

Bússola
Bússola

Plataforma de conteúdo

Publicado em 13 de março de 2023 às 16h30.

O Brasil tem em vigor a segunda Constituição mais longeva da história republicana. A Carta Magna de 1988 só perde para a de 1894/1934. A atual completará 35 anos em vigor, em permanente reforma desde que nasceu. Foram 134 emendas aprovadas até agora, contando as seis feitas na revisão em 1994. Somente no ano passado foram aprovadas 14 modificações no texto da lei maior do país.

A média anual desde a promulgação por Ulysses Guimarães é de quase quatro emendas. Estabilidade? Só se for na corda bamba. Segurança jurídica? Só com frequentes releituras criativas do arcabouço legal. O tal texto analítico constitucional virou um terreno baldio onde se joga qualquer tipo de lei, como piso para profissional de enfermagem.

Ao se mexer no texto de cima, muitas vezes a lei infraconstitucional abaixo exige adequação. O Brasil se tornou o país da reforma permanente: só a reforma salva! Qualquer governo tem que assumir uma agenda de reformas constitucionais. A panacéia nacional em doses cavalares. O nosso dístico real é: instabilidade e insegurança. Nada de ordem, nem de progresso.

O autoengano de imaginar que o país será levado ao progresso ordenado numa nova panacéia como a reforma tributária é percebido nas declarações dos principais atores envolvidos na discussão da matéria no Congresso. Todos defendem diante das câmeras mais uma grande emenda, mais um remendo na Constituição. Ao qual já se anunciou o desdobramento: necessidade de uma lei complementar, obrigatoriedade de leis ordinárias, muitos decretos e portarias da Receita Federal pelos anos vindouros. Faltará tributarista no mercado se a proposta vingar.

Desligada a luz da mídia, os muxoxos interrogativos vão se multiplicando em dúvidas e desconfiança. E isso nos agentes políticos diretamente envolvidos na discussão da matéria. Quando se desce aos detalhes, os diabos saltam de suas residências para atazanar governadores e prefeitos sobre como fica a situação distributiva dos impostos. Outros demônios podem vir a habitar o bolso dos contribuintes.

“Haverá neutralidade”, garantem os defensores da proposta. Gatilhos serão colocados para assegurar. Ninguém sabe ainda quem puxará o gatilho, nem quando exatamente. Óbvio que será depois que o imposto for recolhido… o contribuinte paga primeiro, e espera o governo devolver depois… A fé pode mover montanhas, mas tem dificuldades de abrir as portas do Tesouro Nacional.

É um jogo de ganha, ganha – prometem. Como assim? Todos ganham? A equação matemática carece de um Einstein para sua concepção de um novo E=mc2. Sem uma solução mágica de mente superior, alguém verá a conta nuclear explodir em seu bolso.

E tudo porque se exige crença nos formuladores sem que a fórmula seja conhecida. Será a PEC 45? A PEC 110? A PEC da Simplificação? Uma conjugação de partes de algumas, enxertos de outras à moda de Mary Shelley, autora do famoso Frankenstein?

Há autoengano pela falta de clareza do texto, de uma ausência de simulação por números em projeções da Receita, de sinceridade política dos atores envolvidos. A indústria até agora está feliz porque deve pagar menos. Os bancos idem. Os serviços, maiores empregadores do país, temem a conta maior, o agronegócio prevê safra menor com poda nos  lucros e taxação crescente como praga na lavoura.

O governo federal pode ficar dono do maior bolo da arrecadação. Os estados onde se produz e onde se consome se dividem sobre o tamanho do eventual fundo para serem compensados por perdas certas. Os grandes municípios não têm a mesma visão dos pequenos, que esperam migalhas maiores caírem nos seus cofres. O risco real é o contribuinte pagar sozinho a conta, maior, em qualquer equação final que saia do Congresso. O resto é autoengano, ou assunto para um ensaio sobre a cegueira.

*Márcio de Freitas é analista político da FSB Comunicação

Siga a Bússola nas redes: Instagram | Linkedin | Twitter | Facebook | Youtube

Veja também:

Análise do Alon: Um olho na economia, outro no Congresso

Márcio de Freitas: A renovação política pela vaidade

Análise do Alon: A economia, a política e os candidatos a amigos

Acompanhe tudo sobre:Bússola PoderReforma tributáriaCongressoPolítica

Mais de Bússola

Cecilia Ivanisk: mulheres são muito emocionais para serem líderes eficazes?

Franquia de odontologia cria frente para marcas anunciarem direto para seu público-alvo

Bússola Cultural: how you like that? K-pop invade São Paulo

Ex-Secretária de Desenvolvimento Econômico é indicada como liderança para a COP 30 em Belém