Falar muito expõe os políticos ao risco de se contradizer (TON MOLINA/FOTOARENA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO/Reprodução)
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Publicado em 27 de março de 2023 às 16h52.
Última atualização em 28 de março de 2023 às 08h02.
Por Márcio de Freitas*
O cargo de maior rotatividade na política brasileira é o de Comentador-Geral da República. Autoridades nacionais se revezam incessantemente em ocupá-lo por instantes, passando o microfone (não o bastão) para o comentador seguinte, numa corrida intermitente. O mandato é sempre brevíssimo, e de uma inutilidade abismal, mas capaz de gerar crises em série plenamente dispensáveis ao país. É de se fazer inveja ao antigo Febeapá de Stanislaw Ponte Preta.
As pérolas jogadas aos porcos são muitas. Sempre em profusão avassaladora. O Congresso sempre teve sua linha de produção localizada no baixo clero, trabalhando em turnos ininterruptos com produção em escala industrial, na garantia do abastecimento nacional. O rodízio sempre foi altamente eficiente na geração de factoides. E isso impulsionado pelo vício insanável da amizade parlamentar, lápide política do saudoso deputado do castelo mineiro.
Em certas épocas, podia-se furar o poço mais profundamente, como uma diretoria da Petrobras especializada em prebendas ignaras. Com severina disciplina, como um Cavalcanti montado sobre a fome incomensurável do Centrão.
A recente ascensão mineira ao plenário instagramável trouxe novidades em termos de penteado artificial loiro. Mas a linha preconceituosa resvalou em um passado malufista que resumia assim as classificações para os políticos nacionais: “No Brasil, o político é veado, corno ou ladrão”. E se apressava em explicar porque lhe impingiram o último rótulo. Afastou o risco de ter sido traído pela “conje”.
O ato de muito falar expõe os políticos ao risco diário de tropeçar na própria língua ou nas ideias. Arroz de festa cai ao chão, e é varrido depois. Mas algumas frases ficam, são batidas e usadas para uma cruzada que sinalizam a tática de uma estratégia maior.
O presidente Lula abriu guerra contra os governos que o sucederam: o liberal de Michel Temer e o conservador de Jair Bolsonaro. Centrou sua artilharia, primeiro, no golpe, mas acertou no pé de vários de seus atuais aliados e ministros que votaram pelo afastamento de Dilma Rousseff no processo do impeachment de 2016.
Lula nunca deixou de mirar em Bolsonaro, alvo desde a campanha de 2022. A confusa transição de governo, o estado calamitoso de certas áreas de governo, a fuga para a Disney, os atos bárbaros de 8 de janeiro e as joias sauditas de R$ 16,5 milhões abasteceram depois o estoque de munição do petista. Como diria Teori Zavascki, basta puxar uma pena que se encontra uma galinha. E a mídia tradicional entrou na canoa do acerto de contas com um governo que sempre lhe foi hostil.
O alvo fácil promete estar de volta na próxima semana, em retorno com suas frases também fortes concorrentes a qualquer antologia de graves momentos da política nacional. Bolsonaro é aguardado, enfim, na próxima quinta. Deve deixar o ambiente ainda mais confuso para os comentadores de um polo ou de outro.
Enquanto isso, os economistas têm como obrigação rever os conceitos de seus manuais, completamente defasados segundo Lula. São versões vencidas os compêndios sisudos e austeros que pregam com linguagem hermética e tecnicidades aquilo que dona Lindu sempre ensinou ao filho para administrar a casa: não gastar mais do que ganha.
O Brasil de Lula III vai reescrevendo essa regra de ouro com um mundo complexo lá fora e com um Congresso em polvorosa, com o sistema bicameral erguendo muros onde antes havia túneis de comunicação. Há muitos memes e frases canhestras para assustar até o PCC aqui dentro. Tudo pode ser uma armação, retórica política. Mas o fato econômico se sobrepõe em silêncio na vida de milhões, corroendo a graça das piadas políticas nacionais. A economia é inexorável. E ela que promete ser o ponto dos comentadores nacionais nos próximos meses.
*Márcio de Freitas é analista político da FSB Comunicação