Inflação em alta diminui a vontade de votar nos governantes em exercício que não seguram a carestia. (Paulo Whitaker/Reuters)
Bússola
Publicado em 11 de novembro de 2021 às 16h19.
Por Márcio de Freitas*
O Plano Real introjetou um gene diferente na cadeia de DNA do eleitorado brasileiro: uma grande aversão a governos inflacionários. Isso começou a ser notado a partir de 1994, no governo Itamar Franco. Fernando Henrique Cardoso foi eleito por ter sido o diretor de recursos humanos que montou o time de ouro que derrotou a inflação. Desde então, o eleitor nunca mais tolerou a administração que perdesse o controle dos preços. A prioridade de quem está no poder é manter as gôndolas do supermercado com as etiquetas sem grandes variações numéricas.
Não respeitar a lei da estabilidade de preços significa mergulhar na instabilidade eleitoral para o incumbente. Esse parece que será o signo da eleição de 2022. Antes, vamos aos antecedentes para verificar as perícias nos locais de crimes já transitados pelo eleitorado.
Pai de proveta do real, FHC trouxe o IPCA de 916% em 1994, ano inicial da estabilização, para 22% em 1995, ainda com o vírus inflacionário sendo controlado. Depois foram seis anos sempre abaixo de dois dígitos. Os percentuais traduzem o tamanho da vitória do país em domar o dragão da carestia. Já sem direito à reeleição em 2002, FHC não teve força para fazer seu sucessor. O Lulinha paz e amor ganhou a parada prometendo três refeições na mesa dos brasileiros. Naquele ano, o IPCA acumulou uma alta de 12,53%. Candidato do governo, José Serra (PSDB-SP) perdeu para o sentimento da mudança e pelo temor do descontrole da economia, responsabilidade precípua do presidente plantonista.
Luiz Inácio ganhou e Lula se fez presidente afeito às regras fiscais, bem ao gosto do mercado. Anunciou superávits maiores que pedidos pelos banqueiros. Domou as contas e surfou até sobre as ondas de denúncias de compras de votos de deputados — fenômeno recorrente em Brasília, independente da cor partidária de quem ocupa o Palácio do Planalto. Ele foi reeleito em 2006, ano em que o IPCA acumulou pouco mais de 3%. E botou Dilma Rousseff em seu lugar com o índice em 5,91% em 2010. As contas estavam ajustadas, apesar da marola de 2008, com a crise do subprime nos Estados Unidos varrendo a economia mundial.
Dilma mostrou ser dona de ideias muito próprias, conhecimento único e estrita experiência em gestão (falou-se de uma loja de 1,99 em Porto Alegre, mas ela faliu e não se conseguiu provar nenhuma ligação de nexo causal com a doutora em economia por Campinas). Em 2014, Dilma foi reeleita com 54 milhões de votos, ou 51,6% do eleitorado que compareceu às urnas. A inflação daquele ano foi de 6,41%. No ano seguinte, a coisa desandou e o IPCA passou a barreira de dois dígitos: 10,67% em 2015. Era algo que não se via desde 2002.
A gestão da petista e seus mandarins da nova matriz econômica jogou o país na recessão. A conta chegou em dezembro de 2015, quando o então acuado Eduardo Cunha deu andamento ao pedido de impeachment, que ficou parado três meses por decisão do Supremo Tribunal Federal. Andou depois com amplo apoio popular e encurtou o tempo dela no governo.
O IPCA de outubro de 2021 chegou a 1,25%, fazendo o acumulado do ano superar os dois dígitos. Duas pesquisas recentes captaram uma declinante popularidade presidencial enquanto a inflação solta novamente labaredas no cotidiano do brasileiro.
A Genial/Quaest apurou a pior avaliação do presidente Bolsonaro em sua série. Chegando a 56% de desaprovação. Sobre o principal problema nacional, 48% escolheram a economia, enquanto 17% optaram pela saúde. Na seara específica, a inflação subiu de 2% para 11% como principal problema econômico. E 73% dizem que a economia piorou. Reflexo disso está na opção eleitoral para um vencedor em 2022: 46% vão de Lula, 22% de Bolsonaro.
Outra pesquisa, do Instituto Ipespe, faz uma pergunta interessante: você prefere votar para presidente da República ano que vem em um candidato… da continuidade? 14%; que mude um pouco, mas mantenha outras? 25%; que mude totalmente? 56%! E o tema mais importante a ser tratado? Inflação e custo de vida para 18%, contra 15% em saúde e 14% para desemprego.
As respostas dos entrevistados mostram que, muito antes do RNA mensageiro entrar nas discussões sobre a vacina no país, os brasileiros já tiveram sua mutação genética. A alteração parece criar alergia ao descontrole de preços na grande maioria da população. E mostra que inflação em alta diminui a vontade de votar nos governantes em exercício que não seguram a carestia. Esse novo gene é hoje o grande cabo eleitoral da oposição.
*Márcio de Freitas é analista político da FSB Comunicação
Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.
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