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Márcio de Freitas: a ameaça do apagão é real. Até de votos

Crise de energia é evidente, e governo de Bolsonaro tenta varrer para baixo do lençol freático, buscando sustentar a imagem de retomada econômica

Se o cenário de afluências não mudar, 2022 também deve manter os reservatórios comprometidos (Brunorbs/Getty Images)

Se o cenário de afluências não mudar, 2022 também deve manter os reservatórios comprometidos (Brunorbs/Getty Images)

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Publicado em 26 de agosto de 2021 às 15h35.

Última atualização em 26 de agosto de 2021 às 16h25.

Por Márcio de Freitas*

Não adianta varrer a possível crise de energia para baixo do lençol freático. Ela já é tão evidente quanto o leito de reservatórios expostos ao sol por absoluta falta de água. O subsistema do Sudeste/Centro-Oeste tem hoje apenas 22,5% de sua capacidade total. E os estados “sudestinos” já importam cerca de um quarto da energia que consomem de outros subsistemas regionais.

As chuvas estão abaixo das previsões. E os especialistas em meteorologia não apresentam sinais promissores para setembro. Nem outubro se propõe mais úmido, até o momento. Se esse cenário se confirmar, o clima vai fechar mesmo que não exista uma só cumulus nimbus nos céus do país.

O governo de Jair Bolsonaro ainda usa eufemismos para tratar o tema, mas ele vai se impondo na agenda real e se sobrepõe ao adiamento da conveniência política para enfrentar a necessidade de uma campanha forte de economia que tente evitar o pior cenário, ou seja, apagões e falhas no sistema elétrico nacional.

Ainda há palavras proibidas e censuradas na comunicação do governo, como crise, racionamento e apagão. Já empresas e grupos mais organizados fazem planos de contingência. Companhias do setor de geração, transmissão e distribuição já se organizaram há mais tempo e estão se preparando para vários centros. Enquanto acendem velas para São Pedro, fazem campanhas para os próprios consumidores reduzirem gastos de forma direta, e torcem para que algum Cacique Cobra Coral não falhe desta vez…

O adiamento do debate franco e sincero com a sociedade é sempre problemático para setores políticos, que preferem tergiversar e não dar explicações. Até porque é forte hoje o temor de derrubar a expectativa de retomada econômica. Sem energia, não haverá retomada. Sem retomada, não haverá popularidade presidencial. Sem popularidade, não haverá reeleição. É essa a linha de transmissão de causa e efeito que o governo busca evitar que dê choque no povo e provoque um curto-circuito no projeto político do governo Bolsonaro.

Só que o problema não se evapora no ar como gotas de orvalho pela manhã. O Operador Nacional do Sistema (ONS) traçou um diagnóstico nesta semana, mostrando que, se as chuvas não caírem em profusão na Bacia do Paraná, a importação de outras regiões será insuficiente para manter a luz acesa na casa de milhões de brasileiros, e também em locais de trabalho…

“Desta forma, para assegurar o atendimento energético é imprescindível o aumento da oferta em cerca de 5,5 GWmed, a partir do mês que vem até novembro”, aponta o ONS, cobrando em seguida uma série de medidas de curto prazo para evitar o apagão desde importação de mais energia da Argentina e Uruguai até a liberação de usinas paradas pela burocracia nacional. Se o cenário de afluências não mudar, 2022 também deve manter os reservatórios com níveis comprometidos em razão do risco de poucas chuvas.

O próximo ano é eleitoral. Mas campanhas pela reeleição começam no início do mandato pelos atos e fatos praticados pelo governo. Quando chega o momento de colher os votos, o incumbente tem de mostrar o que fez. As campanhas usam os recursos para reavivar a melhoria, com recordações em filmes e fotos de inaugurações, lançamentos de programas, políticas públicas implementadas e tudo que, segundo a Lei Ricupero, for positivo para ser mostrado.

Se a agenda do momento eleitoral for encoberta pelos problemas do cotidiano, o candidato da situação terá de se explicar. Se as explicações não forem coniventes, menos aderentes para colar no eleitor, que pode procurar alternativa que seja mais convincente.

O agravante da atual crise é que ela encontra confluência com a alta de preços internos de commodities e do dólar. Energia mais cara eleva custo de produção de uma série de produtos – algumas indústrias são consumidoras intensivas de eletricidade. Diminui produtividade no campo e limita a irrigação. Retira margem de comércio e serviços. E segue a toada, pois o sistema hoje precisa de usar as fontes das usinas térmicas a combustível fóssil, mais caro porque a moeda estrangeira que é parâmetro para estabelecer o preço do petróleo também está em alta…

Com a inflação chegando perigosamente perto de dois dígitos no horizonte e sem nuvens no céu, o governo corre o risco de ser vítima de um racionamento de votos em 2022.

*Márcio de Freitas é analista político da FSB Comunicação

Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a EXAME. O texto não reflete necessariamente a opinião da EXAME.

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