Reforma tributária é urgente para avançar no quesito segurança (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
Bússola
Publicado em 19 de setembro de 2022 às 16h30.
Última atualização em 19 de setembro de 2022 às 18h00.
Dois pilares dão sustentação ao desenvolvimento do sistema capitalista: o direito à propriedade e o respeito a contratos. "Mas há que ter uma terceira parte: aquela que garante o respeito à posse e o cumprimento dos contratos", elabora o economista e ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega, ao ser questionado sobre a relação entre a insegurança jurídica e o desenvolvimento econômico.
O economista é o terceiro convidado da Bússola dentro da série de entrevistas com grandes nomes do mercado e da academia sobre insegurança jurídica e seu impacto no desenvolvimento econômico e na atração de investimentos para o Brasil, além de sua influência na tomada de decisão das companhias aqui instaladas.
Ele recorre ao livro A Riqueza das Nações, de Adam Smith, escrito em 1776, que já versa sobre o papel indispensável da segurança jurídica para a prosperidade — particularmente da Inglaterra. "Diante do fim do absolutismo, as pessoas passaram a ter certeza das regras fiscais vigentes e abandonaram a necessidade de esconder valores para protegê-los da instabilidade monárquica", declara.
Transplantando o fenômeno para o Brasil atual, Maílson identifica dois gargalos que impedem o país de figurar em posição mais estável para a atração e a manutenção de investimentos: o fato de o sistema tributário ser 'bagunçado, confuso e mutante e a atuação do poder judiciário, que desempenha papel oposto ao que se espera dele em um sistema capitalista. "O judiciário é importante porque assegura o direito de propriedade e o cumprimento dos contratos. Aqui, o juiz interfere no contrato e diz para o cara não pagar", afirma.
De acordo com o economista, quando há discordância sobre os termos de um acerto, o normal é credor e devedor negociarem. "Aqui, não, o judiciário interfere e suspende a dívida", relata. Ele acrescenta como complicador o fato de o Congresso estar sendo liderado por pessoas populistas, que buscam atender determinadas demandas da sociedade, não visando sanar as reais deficiências regulatórias.
Ele cita a recente aprovação de um piso salarial para enfermeiros, possibilitado pela capacidade de influência política de representantes do setor, e que foi determinado sem levar em conta a realidade do mercado. "Líderes irresponsáveis do Congresso, associados a corporações do setor público e diante de uma ausência incrível do Poder Executivo, aprovam essas coisas."
Maílson sintetiza: "Isso é uma fonte de insegurança jurídica no Brasil, provocada por uma conjugação deletéria de irresponsabilidade do Congresso, força das corporações e um governo desarticulado."
O cenário se aplica ao mundo dos negócios no Brasil. "Por trás desses riscos, você tem o aumento de custos", constata. Ele explica que os gastos com o litígio, como quando um fiscal descobre algo supostamente errado e a empresa tem de provar que não houve má-fé, impactam negativamente a produtividade.
"E a produtividade é fundamental para a posteridade, porque é o principal fator gerador de riquezas no país. O Brasil está estagnado comparativamente a outros países pela baixa produtividade", diz o economista. Como exemplo, ele cita México, Colômbia, Chile e mesmo a Argentina, que é uma “bagunça, mas o sistema tributário é organizado.”
No Brasil, considera, há ainda o agravante do estímulo à "síndrome de Peter Pan". O ex-ministro explica que, ao dar incentivos mal calculados — com cobrança reduzida de impostos a pequenas empresas —, o governo está estimulando que essas companhias não cresçam, mantendo-as com produtividade baixa para evitar aumento na taxação.
"Certas coisas têm de ser complexas. Aqui, tendemos a acreditar que a simplificação do sistema tributário é positiva, e eu até concordo. Desde que haja uma análise técnica do alcance adequado para o benefício", declara.
De acordo com Maílson, há ainda a tendência da inversão da lógica dentro das cabeças da economia mundial. "Ouviremos falar em slowbalization, friendshore, reinshore", propõe, ao prever que, diante da geopolítica mundial, a tendência é de que as grandes economias voltem seus esforços para si e para aliados preferenciais. Algo próximo de uma inversão da globalização.
"Eu acho que, seja o Bolsonaro ou o Lula, nenhum dos dois terá condições de fazer um bom governo porque o drama fiscal é gigantesco, o ambiente mundial é desfavorável e não existe liderança política capaz de enfrentar todos esses problemas", afirma.
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