A neolinguagem tem sido tema de debates há alguns anos (Angelina Bambina/Getty Images)
Bússola
Publicado em 7 de fevereiro de 2023 às 16h09.
Por Andréa Migliori*
A linguagem neutra, também conhecida como neolinguagem, é tema de diversos debates pela internet há alguns anos. Independentemente dos argumentos contrários ou favoráveis, porém, há aqui uma questão inegável: a maneira como nos comunicamos influencia diretamente a percepção das pessoas sobre outras e sobre si mesmas.
Isso não é uma novidade. Linguistas ao redor do mundo vêm estudando e aplicando mudanças às diferentes estruturas idiomáticas há décadas. O uso da linguagem “justa”, ou seja, que equipara o uso de termos masculinos e femininos através da neutralização, é recomendado por diversas instituições relevantes, incluindo a UNESCO (desde 1999), Comissão Europeia (desde 2008), Associação de Psicólogos da América (desde 2009), entre outras.
Um dos pontos principais por trás dessa recomendação é a busca incessante por igualdade entre homens e mulheres. Uma vez que diversos idiomas utilizam o masculino como norma padrão para “todos”, o feminino é automaticamente desconsiderado e até inferiorizado. Vemos isso acontecendo frequentemente em discursos que se referem a muitas pessoas ou até em exemplos que partem do pressuposto masculino: “o especialista”, “o gestor”, “o CEO” — esse último até já me ocorreu, mesmo com alguém se dirigindo diretamente a mim, que sou a CEO. Além da experiência, estudos variados comprovam que esse formato linguístico afeta as representações mentais que temos sobre os gêneros.
Além disso, devemos considerar também a população não-binária. Em idiomas como inglês ou sueco, em que muitos pronomes já são naturalmente neutros, as alterações a favor da inclusividade são mínimas. No português, espanhol e outras, a situação se torna mais complexa, mas também possui mais opções. É possível utilizar versões adaptadas de pronomes, como “elu”, “amigue”, etc.; e também é possível alterar o texto estruturalmente de modo que a aplicação de gênero nem seja necessária. Ambas opções são usadas com frequência.
Com isso em mente, e considerando também a importância da linguagem neutra como fator de inclusão, como o mercado de trabalho é impactado?
Uma pesquisa da plataforma de aprendizagem Lingoda demonstrou que o interesse de profissionais no assunto é bem relevante: 55% das mulheres e 44% dos homens consideram que a linguagem inclusiva é importante no trabalho. Em ambientes educacionais, 55% de respondentes dos Estados Unidos também apontaram essa importância.
Os resultados fazem bastante sentido se pensarmos em como o trabalho ou a escola são como uma segunda casa para muita gente. Que maneira melhor de se sentir à vontade nesses ambientes do que vivenciar, em primeira mão, modos de tratamento inclusivos?
As comunicações internas são a forma com a qual as empresas estabelecem relacionamentos com suas equipes. Cada palavra escolhida passa uma mensagem. Às vezes, mesmo sem querer, a mensagem transmitida toma uma conotação negativa. E às vezes, mudanças simples são o suficiente para evitar desentendimentos e abrir espaço para mais inclusividade e respeito.
É claro que aplicar essas mudanças nos diversos departamentos e dispositivos de uma empresa pode parecer complicado, mas uma intranet de qualidade e já formatada com essa proposta resolve o problema com facilidade.
Realmente não é tão difícil quanto parece. Lembra ali em cima, quando mencionei alterações estruturais que evitam o uso de gênero? Talvez você não tenha notado, mas é exatamente esse segundo caso que está sendo desenvolvido neste artigo. Sim, você está lendo um texto com linguagem neutra e inclusiva!
Perceba como todo uso de gênero foi relacionado a conceitos e objetos, nunca a pessoas. Quando se trata de pessoas, mudanças rápidas já resolvem, por exemplo “de profissionais” ao invés de “dos profissionais”.
Viu só como é simples e, conforme os estudos demonstram, traz benefícios importantes? Por enquanto, acredito que ainda há muito debate prestes a surgir sobre esse tópico, mas é um futuro mais próximo (e promissor) do que muita gente acha. Prepare-se para isso — você e sua empresa! — e tenha certeza que você estará ocupando um papel importante na transformação social.
*Andréa Migliori é fundadora e CEO da Workhub
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