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Liderança artificial: até que ponto as IAs possuem autonomia de poder?

Nomear algoritmos como líderes soa disruptivo, mas sem transparência no código-fonte surgem dilemas éticos e de governança

Ministra Diella, da Albânia, gerada por inteligência artificial (Reprodução)

Ministra Diella, da Albânia, gerada por inteligência artificial (Reprodução)

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Publicado em 15 de outubro de 2025 às 15h00.

Por Diego Nogare*

Nos últimos meses, notícias que parecem saídas de um roteiro de Black Mirror se tornaram realidade; 

Mas será que estamos realmente diante de tecnologias capazes de exercer liderança? Ou apenas testemunhando a automação de tarefas operacionais sob o disfarce de uma revolução tecnológica? 

Sem transparência, qualquer conclusão sobre IA é especulação 

Antes de tudo, é válido destacar que qualquer análise sobre o que essas IAs “fazem” ou “decidem” é, em alguma medida, especulativa. 

Isso porque apenas quem tem acesso ao código-fonte e aos detalhes do treinamento de cada modelo pode afirmar, com propriedade, quais são suas reais capacidades e limitações. 

Sem essa transparência, qualquer afirmação categórica sobre o poder dessas ferramentas carece de fundamento sólido. Ainda assim, é possível refletir sobre seu impacto, considerando questões de ética e governança.

Por mais avançada que esteja a IA, ela ainda opera sob parâmetros

O primeiro ponto a reconhecer é que, por mais sofisticadas que sejam, essas tecnologias ainda operam dentro de parâmetros definidos por seus desenvolvedores. 

Elas processam grandes volumes de dados, identificam padrões nas informações e oferecem recomendações ágeis — funções extremamente úteis para otimizar atividades burocráticas. 

Em outras palavras, tratam-se de tarefas que muitas vezes nem chegam a ser trabalho, mas apenas burocracia.

Mas liderança não se resume a eficiência técnica 

Ela exige transparência, responsabilidade e capacidade de julgamento ético — dimensões em que a IA ainda está muito aquém. 

O fato de não haver acesso público ao código-fonte dessas ferramentas – tanto da Albânia, quanto do Japão – significa que não compreendemos como chegam às suas conclusões, quais vieses podem estar embutidos ou quem realmente controla os resultados finais.

Sem clareza sobre o processo, falar em liderança é ilusório. O poder não está nas mãos da tecnologia, mas nos grupos e empresas que a programam e a controlam. 

O risco é aceitarmos a narrativa da inovação enquanto, nos bastidores, permanecemos sujeitos a interesses humanos. 

O caso da Albânia 

A autonomia da recém-anunciada "ministra de inteligência artificial" para validar orçamentos e assegurar decisões livres de desvios parece promissora, mas sua eficácia permanece duvidosa. 

Afinal, o que exatamente ela entende por corrupção? A forma como esse conceito lhe for ensinada determinará os limites de sua atuação, mas é razoável supor que os corruptos logo encontrarão novas maneiras de contornar tais parâmetros. 

O mesmo ocorre no campo das fraudes financeiras: a capacidade de inovação dos fraudadores costuma acompanhar — e, muitas vezes, até superar — o ritmo de modernização das próprias instituições.

Nomear uma “ministra digital” ou um “líder artificial” soa moderno, arrojado, disruptivo. Gera manchetes, projeta a imagem de um país ou partido na vanguarda tecnológica. 

Mas na prática, trata-se muito mais de uma estratégia de marketing do que de uma transformação estrutural. A IA não governa: ela apenas executa tarefas dentro de limites bem definidos.

O que realmente significa essa aplicação da IA?

O que ocorre, nesses casos, não é a entrega do poder de decisão às máquinas, mas a delegação de tarefas analíticas e burocráticas, apresentada como se fosse uma revolução. 

É importante não confundir automação com liderança, nem algoritmos com escolhas éticas.

O avanço da inteligência artificial, sem dúvida, traz benefícios concretos para modernizar processos públicos e privados. Mas acreditar que uma IA pode exercer liderança é ignorar que, sem dimensão humana, não existe governança legítima. 

No fundo, não estamos diante de uma revolução política protagonizada por máquinas. Estamos apenas assistindo à substituição de trabalhos básicos sob a fachada de inovação tecnológica. 

O desafio ético não é aceitar ou rejeitar IAs como líderes, mas entender quem controla esses algoritmos — e, principalmente, em nome de quem eles operam.

*Diego Nogare é mestre e doutorando em Inteligência Artificial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, com 20 anos de experiência e passagem por grandes empresas como Microsoft, Deloitte, Bayer e Itaú. 

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