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Lei Magnitsky: advogados explicam mitos, verdades e o que empresas brasileiras precisam saber

Neste artigo, o advogado americano Javier Diaz e o advogado brasileiro Rafael Albuquerque explicam a lei que agora é pouco compreendida no Brasil e pode representar riscos significativos para empresas e instituições financeiras

 (Prasit photo/Getty Images)

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Rafael Albuquerque
Rafael Albuquerque

Colunista Bússola

Publicado em 18 de agosto de 2025 às 10h00.

Por Javier Diaz e Rafael Albuquerque*

A aplicação de sanções econômicas e comerciais pelos Estados Unidos já está no radar de grandes empresas e instituições financeiras brasileiras. O trabalho do Office of Foreign Assets Control (OFAC), órgão do Departamento do Tesouro dos EUA, é conhecido por proibir que “U.S. Persons” — cidadãos norte-americanos, residentes permanentes, empresas e bancos — realizem relações comerciais ou financeiras com indivíduos e entidades incluídos em listas restritivas, como a Specially Designated Nationals (SDN List).

O que ainda é pouco claro para muitos é o alcance específico das sanções impostas sob a Global Magnitsky Human Rights Accountability Act (Global Magnitsky Act ou GLOMAG). Com aplicação cada vez mais frequente, essa legislação tem implicações diretas para negócios fora dos EUA, inclusive no Brasil, e compreender seu funcionamento é essencial para evitar penalidades severas.

Origem: da Rússia para o mundo

A primeira versão da Lei Magnitsky foi aprovada em 2012 e aplicava-se apenas à Rússia. Criada após a morte do advogado Sergei Magnitsky, que havia denunciado um esquema de corrupção no governo russo, a lei autorizava sanções contra indivíduos envolvidos em violações de direitos humanos direcionadas a denunciantes de crimes de Estado. As medidas incluíam o congelamento de ativos nos EUA e a imposição de restrições de visto.

Em 2016, um novo projeto de lei liderado pelos senadores Ben Cardin e John McCain ampliou o escopo para abranger violações de direitos humanos e corrupção em qualquer lugar do mundo. Nasceu assim a Global Magnitsky Act, que ganhou força no ano seguinte, quando o presidente Donald Trump assinou a Ordem Executiva 13818, ampliando ainda mais o alcance das sanções. 

Condutas que podem gerar sanções

A lei permite a inclusão de indivíduos e entidades estrangeiras na SDN List em quatro áreas principais:

  1. Violações de direitos humanos — Tortura, detenções arbitrárias, desaparecimentos forçados, execuções extrajudiciais e outros abusos contra pessoas que denunciem crimes cometidos por governos estrangeiros ou que sejam reconhecidas como defensoras de direitos humanos.
    Corrupção — Participação em atos de corrupção considerados significativos pelo governo dos EUA, como apropriação indevida de bens públicos ou privados, corrupção em contratos governamentais, suborno e transferência de fundos ilícitos através de fronteiras.
  2. Liderança de entidade sancionada — Ocupação de cargo de liderança ou alta gestão em organização envolvida em abusos ou corrupção.
  3. Apoio e facilitação — Fornecimento de bens, serviços ou assistência material para possibilitar as condutas descritas acima.

Implicações para empresas e bancos no Brasil

O congelamento de ativos é automático. Qualquer bem ou direito vinculado a pessoa ou entidade sancionada que esteja nos EUA ou sob controle de “U.S. Persons” será bloqueado. Além disso, empresas cujo controle seja detido em 50% ou mais por indivíduos sancionados também serão bloqueadas, mesmo que não constem nominalmente na lista.

Embora a proibição se aplique diretamente a “U.S. Persons”, seu alcance é extraterritorial. Empresas brasileiras podem enfrentar riscos em diversas situações, incluindo, mas não se limitando a:

  •     Quando transações proibidas envolvem pessoas, bens, serviços ou tecnologia dos EUA, como pagamentos em dólares ou processados por instituições financeiras norte-americanas.
  •     Quando há relações comerciais com partes sancionadas, direta ou indiretamente.
  •     Quando se pratica qualquer ato que constitua evasão ou facilitação de violação de sanções.

As penalidades podem ser civis ou criminais e incluir multas de milhões de dólares e restrições de mercado. O OFAC também pode incluir uma parte estrangeira na SDN List por violar suas sanções. 

Mitos comuns sobre a Lei Magnitsky

Mito 1: Ela afeta apenas empresas nos Estados Unidos

Falso. O efeito extraterritorial é real. Empresas no Brasil podem ser impactadas por essas sanções, mesmo sem ligação financeira ou operacional aparente com o sistema norte-americano.

Mito 2: Aplica-se apenas a políticos estrangeiros

Falso. Empresas, executivos e até prestadores de serviços que apoiem ou participem de abusos de direitos humanos ou corrupção também podem ser sancionados.

Mito 3: Evitar negócios diretos com partes sancionadas é suficiente

Parcialmente verdadeiro. Relações indiretas, como a prestação de serviços a empresas controladas por partes sancionadas, também podem gerar riscos jurídicos e de compliance.

Mito 4: O uso de laranjas ou intermediários pode ser uma ferramenta eficaz para contornar sanções

Falso. De acordo com as sanções norte-americanas, incluindo a Global Magnitsky Act e os regulamentos do OFAC, estruturar transações para ocultar a identidade de pessoa sancionada ou para evadir sanções é, por si só, um ato proibido. Isso inclui o uso de laranjas, intermediários ou empresas de fachada para realizar transações em nome de pessoas bloqueadas. Tal conduta pode resultar em penalidades civis e criminais significativas, além da inclusão de indivíduos e entidades no SDN List, com consequente bloqueio de seus ativos. 

Prevenção e compliance

A principal recomendação para empresas brasileiras é integrar a verificação OFAC no due diligence de todas as transações internacionais. Isso inclui consultas regulares às listas SDN e SDNT e análise dos beneficiários finais das contrapartes comerciais.

Um Programa de Conformidade em Sanções (SCP) bem estruturado é um fator atenuante considerado pelo OFAC na aplicação de penalidades. Esses programas devem incluir políticas internas claras, treinamentos periódicos e mecanismos contínuos de auditoria.

Em caso de dúvida sobre a necessidade de autorização para uma transação, é possível solicitar ao OFAC uma licença específica ou orientação interpretativa antes de prosseguir. 

Caminhos para contestar sanções

Indivíduos ou empresas incluídos na SDN List sob a GLOMAG têm o direito de solicitar o chamado De-Listing. O processo começa com um pedido formal ao OFAC, apresentando evidências de que não há base suficiente para a sanção ou de que as circunstâncias mudaram.

Se o pedido for negado, é possível buscar revisão judicial em um Tribunal Distrital dos EUA, alegando que a decisão foi arbitrária ou contrária à lei.

A Global Magnitsky Act evoluiu para se tornar uma das ferramentas mais abrangentes e rigorosas do arsenal regulatório norte-americano. Para empresas brasileiras, o risco não se limita a operar nos Estados Unidos. Ele se estende a qualquer transação internacional que possa ter conexão com o sistema financeiro norte-americano ou com “U.S. Persons”.

Com a expansão das sanções e o avanço dos mecanismos de investigação, ignorar a lei deixou de ser uma opção. Construir programas sólidos de compliance e ter compreensão técnica precisa da legislação continuam sendo as formas mais eficazes de proteger as operações e a reputação corporativa. 

*Coautores:

Rafael Gonçalves de Albuquerque é advogado brasileiro especializado em governança corporativa, e gestão patrimonial internacional, sócio do Marins Bertoldi Advogados e co-fundador da Catalysis Multi-Family Office.

Javier Coronado Diaz é sócio do Diaz Reus International Law Firm, licenciado na Flórida, Nova York e Colômbia, com expertise em prevenção à lavagem de dinheiro, sanções globais e litígios e investigações internacionais envolvendo o OFAC e o Departamento de Justiça dos EUA.

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