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Juros altos e falta de apetite de riscos faz inverno chegar nos unicórnios

Para especialista, investimentos não cessaram, apenas ficaram mais criteriosos

Startups serão pressionadas diariamente por resultados e, consequentemente, os processos decisórios ficarão mais pragmáticos (scyther5/Getty Images)

Startups serão pressionadas diariamente por resultados e, consequentemente, os processos decisórios ficarão mais pragmáticos (scyther5/Getty Images)

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Publicado em 4 de setembro de 2022 às 18h12.

2022 foi o ano em que a “porteira das demissões” começou: aqueles que se empolgaram com o recorde de investimento em startups atingido em 2021 já estão sentindo o gosto amargo de uma crise que chegou no Brasil. O otimismo gerado pela alta receita do ano anterior não foi um erro: os cheques incentivaram o surgimento de novas ideias, o crescimento do empreendedorismo e contratação de mão de obra para fazer a máquina girar.

A movimentação foi repentina e pegou todos de surpresa. Afinal, o mercado mundial precisou reajustar a sua rota para acompanhar as mudanças do cenário macroeconômico, que sofreu muitas mudanças após a covid-19 e a guerra da Ucrânia.

Segundo Felipe Matos, presidente da Associação Brasileira de Startups (ABStartups), houve uma alta global de juros e uma diminuição do apetite de risco dos investidores, o que afetou a disponibilidade de capital para as startups maiores — os chamados unicórnios — e pressionou para baixo os seus valores.

Com menos capital disponível, de acordo com ele, as empresas estão revendo seus planos de crescimento e cortando custos. Foi assim que se deu início ao movimento de demissões. “Porém, é importante ressaltar que apesar desse cenário, o volume atual de investimentos no Brasil ainda é maior que antes da pandemia e que o setor de startups segue crescendo, ainda que de forma menos acelerada”, diz Felipe.

Para Matos, agora, o momento é de acompanhar o cenário internacional para entender a possível extensão de uma crise econômica maior que pode vir futuramente.

QuintoAndar, Facily e Loft foram as “corajosas” ao abrir a agenda de demissões em massa. Em seguida, startups como Ebanx, Kavak, Liv Up, Favo, SumUp, Uber, VTEX, Alice, Daki e Olist somaram mais de oito mil desligamentos.

Mas, se por um lado há esse momento de incertezas, existem algumas companhias que estão pensando diferente e entendendo que essa situação é apenas passageira.

“Ainda que a gente esteja acompanhando esse movimento de recessão em muitas startups, não podemos assumir uma visão pessimista para o mercado como um todo. Temos diversas companhias enormes investindo pesado em tecnologia, criando programas de inovação aberta em busca de soluções que ajudem a solucionar desafios internos e também oferecer melhores produtos para seus clientes”, declara Guilherme Massa, cofundador da Liga Ventures.

Para ele, isso ajuda a fomentar o ecossistema de inovação e mostrar que ainda existe muito espaço para o empreendedorismo, e interesse e capital para apoiar o desenvolvimento e sucesso das startups.

Um exemplo desse movimento foi o número alto de contratações dentro da fintech VExpenses. Nos últimos seis meses, 42 pessoas ingressaram no time e a empresa cresceu 29%. “Tivemos uma reunião com o time para tranquilizar a todos e explicar que não faríamos nenhuma demissão na companhia nos próximos meses.  Isso porque estamos caminhando na contramão da crise e crescendo de forma saudável, ampliando a equipe e implementando novas soluções para o mercado”, diz Thiago Campaz, CEO da startup.

Outro exemplo é o MaisMei, startup fundada em 2020 por Mateus Vicente, Tiago Vicente e Uelen Paulo. O MaisMei é uma plataforma com aplicativo gratuito para Android e IOS, que auxilia o Microempreendedor Individual na resolução de burocracias do negócio, como abertura do MEI, pagamento da Guia DAS, Declaração Anual de Faturamento, cartão CNPJ, entre outros. Desde sua fundação a startup nunca recebeu investimentos externos e atualmente possui 1 milhão de usuários em sua base, em 2021 obteve um aumento de 460% de sua receita e um crescimento de 338% nas vendas de serviços.

Também andando na contramão deste cenário de demissões e obstáculos para manter os negócios, a Medictalks está expandindo o time, realizando novas parcerias e investindo em tecnologia. A healthtech fornece uma plataforma com conteúdos feitos por médicos, para médicos, onde profissionais compartilham experiências reais de vida e conhecimento científico relevante e atualizado, e que podem ser acessados de forma gratuita.

A startup anunciou em maio deste ano o recebimento do aporte de R$ 2 milhões, resultado do investimento da Bossanova Investimentos, Aimorés e da japonesa Incubate Fund, e com o ocorrido a healthtech atingiu o valor de mercado de R$ 30 milhões.

A SalesFarm também entra para o grupo das startups que estão expandindo. O negócio oferece a primeira plataforma que terceiriza a força de vendas por meio de um software e que tem como objetivo conectar empreendedores a vendedores. Já atuando com serviços de outsourcing e de implantação de máquina de vendas de grandes operações comerciais, agora está ampliando o leque de serviços ao oferecer consultoria para a contratação de vendedores inside sales. A previsão é que gere cerca de 400 oportunidades de trabalho remoto para vendedores e parceiros até o final de 2022.

De fato, os investimentos não cessaram, apenas ficaram mais criteriosos. Agora as startups early stage, que já precisavam comprovar caixa para conseguir aportes, não sofrerão com este momento, pois já possuem um modelo de negócios saudável, sem queima de caixa desenfreada.

De acordo com Amure Pinho, fundador da plataforma de investimentos-anjos, Investidores.vc, algumas startups que levantaram rodadas grandes de investimento durante a pandemia se sentiram obrigadas pelo mercado a acelerar, pois o excesso de capital estava disponível para o mercado como um todo.

“O dono de uma startup via o seu concorrente captando uma rodada muito grande e crescendo violentamente, logo, tinha a mesma obrigação de crescer. Isso fez com que o excesso de capital e a tomada de decisão para pegar esse dinheiro fosse um pouco agressiva”, diz Amure.

Além disso, segundo Pinho, o atual cenário político com guerras na Europa, inflação e juros diminuiu o apetite e a confiança dos investidores, que decidiram frear as suas startups e mudar o seu discurso de “cresça a qualquer custo” para “cresça com calma”.

Crescer de maneira saudável e constante tornou-se premissa nas startups.

Segundo Nicolaos Theodorakis, fundador e CEO da Noah, startup que oferece soluções tecnológicas para a construção civil, os investimentos estão cada vez mais racionais.

“Desde a fundação da Noah, apostamos em um crescimento sólido e saudável. Como costumam dizer os brasileiros, não queremos dar um passo maior que a perna”, diz Theodorakis.

Em 2021, a startup recebeu um aporte de R$ 15 milhões da Dexco e, desde então, investiu em qualificação profissional dos colaboradores, novas tecnologias para o setor e inovação. “Queima de caixa não entra na nossa estratégia: estamos com um escritório novo, e investimos no espaço por julgar fundamental na criação de cultura. Neste momento, estamos inclusive com posições seniores e estratégicas disponíveis, que serão preenchidas o mais breve possível”, afirma o CEO.

Para ele, o plano é manter um quadro de funcionários selecionados, enxuto e de alta performance, e cada vez mais estratégico para revolucionar a construção civil sustentável no Brasil.

As startups serão pressionadas diariamente por resultados e, consequentemente, os processos decisórios ficarão mais pragmáticos. “A bola da vez são startups que garantam retorno em um curto período de tempo, a exemplo dos fundos e índices associados à agenda ESG. As empresas com forte atuação em ESG, além de contribuírem para a geração de impacto positivo, trazem retornos sólidos e consistentes”, declara Nicolaos.

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