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Joaquim Levy: o investimento é a chave

Os indicadores da economia melhoraram, mas o crescimento no segundo semestre de 2021 será moderado pela diminuição da renda real

O Brasil se beneficia de aumento de liquidez, condições financeiras internacionais e aumento do preço das commodities (Adriano Machado/Reuters)

O Brasil se beneficia de aumento de liquidez, condições financeiras internacionais e aumento do preço das commodities (Adriano Machado/Reuters)

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Da Redação

Publicado em 16 de junho de 2021 às 16h35.

Última atualização em 16 de junho de 2021 às 16h59.

O nível de atividade no primeiro trimestre surpreendeu a maior parte dos observadores da economia brasileira, apesar da sinalização positiva que o Banco Central já passava bem antes da divulgação dos números do IBGE.

Houve, sem dúvida, a segunda onda de covid, com um número de óbitos muito acima do imaginado e, atingindo meio milhão de mortes, difícil sequer de ser plenamente entendido, especialmente na sua dimensão humana e de impacto permanente nas famílias brasileiras. Mas do ponto de vista estritamente da economia de curto prazo, o efeito dessa segunda onda foi limitado. O isolamento social não aumentou tanto quanto se esperaria, e o consumo foi pouco afetado, até pela força do comércio eletrônico.

Além disso, o setor externo tem tido resultados extraordinários com os grãos, carnes, minérios e produtos semimanufaturados, como na metalurgia e outros bens intermediários.

A forte valorização global das commodities proporcionou 150 bilhões de reais (2% do PIB) de renda adicional ao produtor brasileiro, com isso ajudando, junto com a manutenção dos juros baixos nos Estados Unidos, a evitar que o impulso dado pelo gasto fiscal de 700 bilhões de reais em 2020 se dissipasse.

A inflação também tem surpreendido, pela combinação de desarranjos temporários nas cadeias produtivas, inclusive as que dependem do comércio global, do preço internacional das commodities, e do câmbio que até recentemente se mantinha relativamente depreciado. A esses fatores se soma o acúmulo de poupança das famílias no ano passado, que dá a muitas delas um colchão de tolerância a preços mais altos.

Na esteira do impulso fiscal no ano passado, o crescimento da atividade industrial e dos preços no atacado também engrossaram a arrecadação dos tributos, o que agora levou a uma melhora dos indicadores fiscais de 2021 que tem agradado os mercados financeiros.

O cenário de crescimento tem alguns riscos, inclusive relativos a mudanças estruturais no mercado de trabalho brasileiro e a eventuais surpresas na política monetária e fiscal americana. A digitalização da economia aumentou, o que é bom para a produtividade, mas coloca novos desafios para garantir a ocupação da força de trabalho. Um aperto antecipado na taxa de juro lá fora afetaria as condições financeiras aqui, o que pode incomodar, especialmente se vier acompanhado de um esfriamento do preço das commodities. Outro risco é a situação do suprimento de energia no Brasil.

Haveria maneiras de facilitar a preservação do crescimento da atividade no ritmo observado no começo do ano? Uma das formas mais eficazes para manter o impulso da economia é apoiar o investimento, o qual também é chave para aproveitarmos as receitas extraordinárias da exportação, e os recursos no caixa das empresas.

A expectativa de oportunidades significativas de investimento no Brasil fortalece o real ao criar razões para o exportador internalizar as receitas que obteve lá fora e para o investidor internacional voltar aos nossos mercados, validando o recente movimento de apreciação do real e reforçando a contribuição da normalização da política monetária para esse reequilíbrio.

De fato, a desvalorização cambial tipicamente ocorre quando há falta de perspectivas de investimentos em um país, valorizando-se quando as encontra. A taxa de juro em geral sinaliza e ratifica esse sinal, subindo quando a economia se aquece e atrai capital. Muito dos movimentos entre o dólar e outras moedas internacionais nos últimos 40 anos pode ser interpretado por essa lente.

Melhores oportunidades de investimentos e maior apetite dos investidores podem decorrer de muitos fatores. Alguns são fortuitos: no Brasil temos uma longa tradição de “ciclos” puxados de fora, como possivelmente se o atual ciclo de alta das commodities se prolongar. Outros decorrem de políticas públicas que sinalizam redução de incertezas ou outras melhoras para os investidores.

Recentemente o marco do saneamento ajudou a atrair investidores internacionais e destravar concessões, em alguns casos não tanto pelas inovações ele que trouxe, mas pela sua aprovação encerrar discussões de décadas, dando clareza ao investidor.

A reforma tributária poderia eliminar incertezas de longa data, facilitando decisões de investimento. Na ausência de um passo decisivo que diminua essas incertezas, pode ser importante estimular a canalização da poupança para investimentos produtivos com medidas de efeito imediato.

Uma forma consagrada de se estimular o investimento é acelerar o reconhecimento do impacto de sua depreciação nos lucros das empresas. Com isso, o imposto é postergado, aumentando a rentabilidade do novo investimento e diminuindo seu risco. Essa abordagem é frequentemente adotada nos Estados Unidos, e foi uma das alavancas usadas pelo governo Reagan para aproveitar o bom momento da economia americana depois que a inflação foi domada.

A aceleração da depreciação dos investimentos é uma medida que se compatibiliza com a Lei de Responsabilidade Fiscal. Ela no fundo apenas difere o imposto sobre eventuais lucros, não criando despesa ou necessariamente perda permanente de receita. Havendo espaço, ela pode ser acompanhada de outras medidas para estimular decisões de investimento nos próximos 24 meses, inclusive evitar a oneração do crédito e de outras formas de financiamento do investimento.

Seriam opções oportunas para aproveitar o atual humor do mercado e aumentar a entrada líquida de divisas, diminuindo a pressão sobre a inflação e antecipando a recuperação do mercado de trabalho.

Em suma, o Brasil se beneficia de um grande aumento de liquidez devido à injeção de recursos pelo setor público no ano passado, às condições financeiras internacionais benignas e ao ganho de renda excepcional decorrente do aumento do preço das commodities. Incentivar o investimento agora é uma boa maneira de usar esses recursos de forma produtiva e criar empregos em um mercado de trabalho que deve passar por grandes transformações.

Texto publicado originalmente no site O Especialista

*Joaquim Levy é engenheiro naval pela UFRJ, com mestrado em economia pela FGV e doutorado em economia pela Universidade de Chicago. É diretor de estratégia econômica e relações com mercados no Banco Safra. Entre outros cargos, integrou o FMI, foi secretário-adjunto de Política Econômica do Ministério da Fazenda; economista-chefe do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e secretário do Tesouro Nacional. Foi vice-presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento, secretário de Fazenda do Rio de Janeiro, diretor do Banco Mundial e presidente do BNDES.

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