Em breve o STF deverá sopesar o texto constitucional que garante a anterioridade do pedido de registro e a função social da marca (Jason Lee/File Photo/Reuters)
Bússola
Publicado em 21 de fevereiro de 2022 às 10h15.
Por André Salgado Felix e Marina Mandetta*
Em março de 2000, sete anos antes da Apple lançar seu smartphone, a IGB Eletronica S.A, controladora da marca Gradiente, desenvolveu aparelho que integrava internet e celular. O aparelho foi inicialmente denominado de “Internet Phone” e abreviado para “IPhone”. No mesmo ano a Gradiente depositou a marca mista “G Gradiente iPhone”, e obteve a concessão do registro em 2008.
No entanto, um ano antes, em 2007 a Apple realizou o lançamento mundial do que viria a ser o celular mais famoso no mundo. Nesse mesmo ano, a empresa norte-americana solicitou o registro da marca à autarquia federal, que foi negado.
Após a negativa, a Apple ajuizou ação contra a IGB e a autarquia federal visando à nulidade parcial do registro do “G Gradiente iPhone"; desde então a Apple coleciona decisões favoráveis em todas as instâncias, até a mais recente no STJ. Atualmente o processo está pendente de julgamento no STF e com a tentativa de acordo frustrada.
Não se discute que o “iPhone” da Apple revela-se inconfundível para o consumidor comum, adquirindo incontestável distintividade e notoriedade em todo o mundo. Qualquer pessoa (independentemente de classe social ou nacionalidade) associa tal expressão ao smartphone comercializado pela Apple; inclusive, por ocasião do lançamento de modelos novos, os consumidores costumam enfrentar filas enormes e amplamente noticiadas para adquiri-los.
O sucesso da estratégia de marketing da Apple é indiscutível, tendo sido capaz de transformar um termo evocativo em signo inconfundível de seu produto.
Assim, permitir que a Gradiente detenha a propriedade e utilize a expressão Iphone de uma forma livre, representaria imenso prejuízo aos consumidores e ao mercado globalizado, pois toda fama e clientela do produto desenvolvido pela Apple, poderia ser confundida pelos consumidores que de boa-fé acreditassem existir alguma relação entre os produtos ou as empresas.
No entanto, a função social da marca está acima da proteção ao arcabouço jurídico de propriedade intelectual pátrio, incluindo o respeito ao direito de anterioridade, reconhecido mundialmente?
É incontroverso a “ideação” do nome e depósito da marca pela Gradiente, muito antes de Steve Jobs e seus desenvolvedores lançarem o Iphone. Logo, não há dúvida da boa-fé da empresa no momento da criação do nome para o seu telefone móvel.
Questões assim acontecem ao redor do mundo, a própria Apple adquiriu marcas muito menos parecidas com “Iphone” em outros países como México para evitar disputas judiciais como essa.
Também é verdade que países protegem o registro regulares de marcas anteriores de pequenos empresários, é assim na Espanha, onde a marca “Nike” já havia sido deferida à pequena empresa de produtos desportivos, fato que para Justiça Espanhola inviabilizou o uso da mesma palavra pela gigante americana no país, podendo apenas usar seu logo.
O mesmo aconteceu na Austrália local onde a Ambev, alterou o nome do “Burger King” para “Hungry Jack's” devido a registro anterior da marca concedido pelo órgão competente.
O direito de anterioridade do registro e consequente exclusividade da marca por aquele que primeiro a inventou é protegido pela própria Constituição Federal pátria em seu artigo 5º.
Em breve o STF deverá sopesar o texto constitucional que garante a anterioridade do pedido de registro e a função social da marca, no julgamento que se aproxima com grande impacto jurídico e econômico sobre o tema.
*André Salgado Felix é sócio do escritório Ernesto Borges Advogados e Marina Mandetta é sócia do Mandetta Advogados
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