Mudança ainda demandará ajustes, esforços e negociações (Ricardo Stuckert/PR/Flickr)
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Publicado em 18 de abril de 2023 às 22h00.
Parece que a piadinha do “pastel de flango” que muitos pejorativamente fazem sobre os chineses e seus descendentes aqui no Brasil terá que ser engavetada de uma vez por todas, pois um novo tempo deve mudar como se faz comércio no globo terrestre. Então, mais respeito, por favor.
A notícia de que o Brasil e a China decidiram não utilizar mais o dólar em suas transações comerciais pegou muita gente de surpresa, e irritou outros. Afinal de contas, é difícil imaginar que países tão importantes economicamente como Brasil e China resolvam abrir mão do dólar, a moeda mais utilizada em todo o mundo, em suas transações bilaterais de maneira tão efetiva e direta.
Como diz o ditado, “quem não arrisca, não petisca”. E tanto Brasil quanto China, sistematicamente entenderam que certas dependências não são necessárias e, menos ainda, fazem sentido. É como fugir de um relacionamento abusivo onde o lado mais explorador deixa de ter poder sobre a situação geral do casal.
Se pararmos para pensar, qual seria a vantagem desses dois países continuarem a utilizar uma terceira moeda para seus negócios internos? Que razão teriam para continuar pagando taxas ao FED norte-americano quando o câmbio entre o real e o yuan sai mais barato para o bolso de todo mundo? Parece que Brasil e China estão dispostos a arriscar tudo em nome de uma economia mais independente e mais viável – não diria sustentável porque aí seriam outros quinhentos.
Essa decisão pode parecer um tanto arriscada à primeira vista, mas a verdade é que pode trazer muitos benefícios para os dois países. Em primeiro lugar, é preciso lembrar que o dólar é uma moeda volátil e sujeita a oscilações bruscas. Qualquer alteração na política monetária dos Estados Unidos pode afetar diretamente sua cotação e, consequentemente, as exportações e importações dos países que utilizam moeda em suas transações comerciais. Ao utilizar suas próprias moedas, Brasil e China estão se protegendo contra esse tipo de flutuação. Além disso, esse mecanismo pode reduzir o custo das transações comerciais, já que as taxas de câmbio tendem a ser menores que as cobradas em transações totalmente dolarizadas.
Outro benefício da decisão é justamente a possibilidade de os dois países fortalecerem suas próprias moedas perante o mundo. Quando um país utiliza sua própria moeda em transações comerciais, cria demanda por ela no mercado internacional, logo, isso pode levar a uma valorização da moeda e, consequentemente, a uma redução dos custos de importação.
Isso, além de trazer certa independência em relação ao dólar, torna as respectivas moedas menos suscetíveis a sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos, como já ocorreu com Irã, Rússia, Cuba e Venezuela, onde o poder da moeda norte-americana foi usado como ferramenta de pressão.
Indo além, talvez Brasil e China estejam abrindo portas para que outros países, especialmente os BRICs, façam o mesmo. A ação, arriscada à primeira vista, é uma decisão que reforça a ideia de que economias possam se sentir menos voláteis e mais confortáveis para comercializar seus produtos e matérias-primas.
Sempre é bom lembrar que os pioneiros são os que contam as melhores e mais motivadoras histórias. São quase oitenta anos de hegemonia econômica e comercial que está sendo quebrada, rompida por dois países que muitas vezes foram e são desprezados pela comunidade internacional.
Brasil e China além de estarem se protegendo contra as flutuações do dólar, reduzindo o custo das transações comerciais e fortalecendo suas próprias moedas, estão também dando um grito de liberdade vislumbrando um futuro menos dependente dos Estados Unidos e de como, esse por sua vez, dita as regras econômicas globais. Pode não ser o fim de um império, mas uma coisa é certa: essa onda parece estar apenas se iniciando e certamente não será uma marolinha.
A mudança não será fácil e demandará muitos ajustes, esforços e boas negociações, mas é um passo importante em direção a uma economia mais autônoma. Afinal de contas, quem não gosta de um pouco de liberdade, não é mesmo?
*Hugo Martinelli é escritor e mestre em semiótica
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