Pedro Arnt, CEO da dLocal (dLocal/Divulgação)
Repórter Bússola
Publicado em 24 de abril de 2025 às 14h16.
O momento é de insegurança, incerteza e até mesmo ameaça de recessão global. Com a guerra tarifária promovida por Trump, empresas de todos os países se perguntam: é possível encontrar oportunidade em meio a esse caos? Para Pedro Arnt, CEO da dLocal, a resposta é sim.
A fintech, que se tornou o primeiro unicórnio do Uruguai, oferece soluções para pagamentos cross-border de empresas que miram países emergentes. O modelo de negócio viabiliza as operações de gigantes como Google, Amazon, Spotify e Microsoft, e rendeu um faturamento de US$ 746 milhões em 2024. Para 2025, a dLocal projeta aumento de até 35% e um volume de transações na casa dos US$ 37 bilhões.
Como a guerra tarifária entra nessa história? Simples: com os Estados Unidos de portas fechadas para a China, a realocação dos esforços de exportação de empresas como a Shein, atendida pela dLocal, vai intensificar o volume de transações em boa parte dos 41 países onde a fintech está presente. E Pedro já enxerga com clareza este movimento.
“Percebemos isso mesmo antes da eleição. Mas após as ações de Trump, muitos dos nossos clientes chineses começaram a colocar foco ainda maior e dedicar mais recursos a sua estratégia de crescimento em mercados emergentes”, conta o executivo. No ano passado, a empresa teve lucro bruto recorde de US$ 295 milhões, e agora vê margem para crescer ainda mais.
Segundo Diego Bonaldo Coelho, especialista e professor de Relações Internacionais da ESPM, a movimentação das empresas chinesas vai gerar demanda para soluções de pagamento tanto na cadeia de suprimentos, com negócios B2B, quanto na distribuição, com negociações B2C em pagamentos cross-border.
“Há oportunidade para as fintechs facilitadoras de pagamentos? Não tenha dúvida. E não é só para expansão com modelos tradicionais. Há também a oportunidade de inovação”, diz o especialista.
E a inovação é um dogma para Arnt. O executivo viveu os primórdios da internet e fez carreira investindo no potencial dos meios digitais. Ele assumiu a cadeira de CEO em 2023, após deixar o cargo de CFO no Mercado Livre, onde ficou por 12 anos.
“Eu vivi isso na pele. Trabalhando com centenas de comércios, que ou vendiam pelo Meli, ou cobravam pelo Mercado Pago, confirmei que os meios de pagamento são centrais no crescimento de qualquer negócio digital”, conta.
E o compromisso da empresa com a inovação no digital foi o principal fator que convenceu o executivo a topar o desafio na dLocal. A partir desse valor inegociável, e aproveitando a janela de oportunidade confirmada por Coelho, ele constrói uma estratégia de expansão com crescimento orientado por duas praças distintas.
O Brasil cobre uma fatia de cerca de 18% da receita global da empresa. E dos mais de 900 meios de pagamento oferecidos aos clientes, o Pix se destaca. “Uma coisa incrível que aconteceu nos últimos sete anos foi que, com o Pix, o marco regulatório de open banking e afins, o Brasil se tornou um líder em inovação em meios de pagamento”, conta Arnt.
90% dos clientes da dLocal têm mercado doméstico acostumado apenas com o crédito. Eles nunca tiveram que lidar com Pix, NuPay, PicPay, Mercado Pago ou outros meios de pagamento usados pelos brasileiros. Isso gera demanda e coloca a fintech em um papel central.
Mas o cenário oposto também é rentável. O Brasil se destaca pela inovação, mas a presença em países de economia emergente e carentes de digitalização é o segundo motor de crescimento da dLocal.
“Os países que ainda estão atrasados, em termos de ecossistema de pagamentos, também geram demandas de nossos clientes. Isso nos motiva a investir em nossos mercados na África, no Oriente Médio e na Ásia, por exemplo”.
Segundo Coelho, o comportamento do presidente dos EUA não ajuda. Imprevisível, ele impede a tomada de decisões a longo prazo, mas as fintechs como a dLocal podem aproveitar a oportunidade a curto prazo.
A América Latina e muitas economias emergentes estão na mira das chinesas, e elas vão precisar de alguém que ajude com os pagamentos. O sucesso vai depender do preparo.
“O cenário é de instabilidade geral, mas é possível sim aproveitar o momento. Depois da inovação, que pode incluir rastreamento, blockchain e outras tecnologias, vejo pelo menos outros dois fatores que precisam de atenção das fintechs”, diz.
Em abril de 2024, a dLocal recebeu autorização do Banco Central para operar como instituição financeira no Brasil. Parte dos esforços de expansão em 2025 incluem este aspecto e, para além disso, Pedro também enxerga a possibilidade de incluir M&As na estratégia.
A dLocal não passou ilesa pela queda na valorização das fintechs – que ocorreu após o boom entre 2015 e 2021. Mas segundo Pedro, a empresa sempre foi rentável, nunca dependendo exclusivamente de financiamento externo.
“Não estamos isolados das flutuações do mercado. Hoje, o valor das nossas ações é muito mais conservador, mas em contrapartida, nossos indicadores financeiros de 2024 registraram recordes muito maiores do que em 2021, quando tínhamos uma capitalização de mercado muito maior”, explica.
Aqui, Arnt vê uma oportunidade de investimento na aquisição de outras empresas semelhantes à sua. Com juros altos no mundo todo, investidores tendem a ver melhor oportunidade em ativos de renda fixa. Para as startups, e principalmente as fintechs que desvalorizaram, a capacidade de financiamento está bastante limitada. Estas, podem se tornar ativos interessantes sob o guarda-chuva da dLocal.
Listada na Nasdaq desde 2021, a empresa apresenta um valuation em torno dos US$ 3 bilhões. A estreia viu recorde de US$ 20 bilhões e para além das flutuações, outros fatores também contribuíram com a redução no valor.
No final de 2022 a empresa teve uma queda significativa no valor das ações, que foi provocada por um relatório da Muddy Waters Capital apontando supostas irregularidades. Segundo Pedro, o caso não afetou a companhia de forma significativa e está ficando para trás.
Há duas semanas, a empresa obteve resultados em outro caso. Acusações feitas pela Hollenden Square Research LLC, muito semelhantes às feitas pela Muddy Waters, foram levadas a julgamento inicial, mas – com análise que levou em conta investigações independentes e relatórios produzidos por auditoria – o juiz responsável aceitou um ‘motion to dismiss’ (recusa do caso).
“Ele determinou que não existem fundamentos na ação para levar isso a juízo. Este fato nos dá maior confirmação do que temos dito desde o ínicio: as alegações são imprecisas e infundadas. Saímos totalmente ilesos? Não. Talvez a primeira história tenha afastado alguns clientes potenciais, mas não perdemos nenhum cliente sequer e temos uma relação de muita confiança com eles”, explica Arnt.
Para Pedro, sua empresa não participa de uma corrida, e sim de uma maratona. Apesar do impulso obtido no proveito das oportunidades a curto prazo, o planejamento a longo prazo é essencial. Junto a isso, seu modelo de gestão também inclui manter em mente: no mundo da tecnologia quem tem sucesso é quem mira na melhor qualidade.
Por fim, a expansão que está por vir também vai depender de um fator indispensável: o investimento no capital humano. “Na indústria da tecnologia, não temos ativos físicos muito relevantes, não é? Somos feitos de bits e bytes. Nosso principal ativo são as pessoas que operam nossos sistemas. Por isso, investimos mais e mais no capital humano”, conclui.
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