investimos cada vez mais em destruição quando deveríamos canalizar recursos para reconstruir (Peter Macdiarmid/Getty Images)
Diretor-geral da Beon - Colunista Bússola
Publicado em 10 de julho de 2025 às 15h00.
Os alertas sobre sustentabilidade costumam chegar em forma de relatórios ambientais, mas bastam dois números recentes para revelar que o colapso é bem mais amplo. Em 2024, o mundo destinou US$ 2,718 trilhões a gastos militares, o maior valor já registrado e 37% acima de 2015. No mesmo período, 61 conflitos armados ativos atingiram 36 países — o pico mais alto desde 1946. Os dados marcam uma contradição: investimos cada vez mais em destruição e fragmentação justamente quando deveríamos canalizar recursos para reconstruir ecossistemas, reduzir desigualdades e fortalecer a coesão social.
Henry Mintzberg, em Rebalancing Society, ajuda a explicar por que esse descompasso parece crônico. Segundo ele, uma comunidade saudável precisa de três pilares em equilíbrio: um Estado capaz de arbitrar interesses coletivos, um mercado que gere riqueza de forma responsável e um setor social plural — movimentos, cooperativas, ONGs — que cultive valores comunitários. Quando uma das pernas cresce demais, o conjunto bamboleia. Desde os anos 1980, a hipervalorização do mercado desregulado inclina esse tripé; o Estado oscila entre captura e inércia, enquanto o chamado setor plural luta por financiamento e voz. O resultado está na conta bélica recorde e nas estatísticas de violência que se avolumam.
Mintzberg alerta que revoluções — rápidas, muitas vezes violentas — costumam apenas trocar um desequilíbrio por outro. A alternativa seria a “re-formação”: um processo deliberado que reposiciona incentivos e reconstrói normas sem demolir o edifício social. Ele propõe começar declarando nossa interdependência — admitir que clima, prosperidade e paz são fios do mesmo novelo —, seguir conectando iniciativas locais em redes globais e, finalmente, consolidar coalizões capazes de proteger avanços contra ciclos políticos de curto prazo.
Isso se traduz em três frentes que exigem menos retórica e mais mudança de engenharia institucional. Primeiro, métricas de sucesso precisam sair do PIB e passar a incluir bem-estar, biodiversidade e inclusão nos orçamentos públicos e nos balanços corporativos; o que se mede orienta recursos. Depois, o setor plural deve ganhar musculatura: fundos soberanos, compras governamentais e incentivos fiscais podem escalar cooperativas de reciclagem, agroflorestas urbanas ou plataformas de logística reversa que hoje operam à margem do crédito tradicional. Por fim, os subsídios precisam ser reenquadrados — cada dólar que hoje sustenta atividades com externalidades negativas deveria, por desenho, migrar para pesquisa e desenvolvimento em tecnologias limpas e infraestruturas de baixa emissão.
Os céticos dirão que tais reformas colidem com interesses consolidados. De fato, mas a própria escalada orçamentária militar mostra que, quando há vontade política, cifras trilionárias se materializam em tempo recorde. A pergunta, então, não é se temos recursos; é se aceitaremos continuar investindo em sistemas que ampliam a insegurança — climática, econômica e existencial — ou se teremos a coragem de redirecionar esses recursos para instituições que promovam equilíbrio.
Re-formar estruturas exige paciência estratégica, negociação dura e participação cidadã constante. Ainda assim, é nesse processo aparentemente tedioso que reside a chance de legar às próximas gerações um sistema que as sirva em vez de consumi-las. Mintzberg nos lembra que a sociedade não se sustenta em discursos, mas em regras; e regras, quando bem desenhadas, podem transformar trilhões em armas em trilhões em vida.
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