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Gestão Sustentável: de Baku a Belém, como tirar US$ 1,3 trilhão do papel?

Brasil busca mobilizar US$ 1,3 trilhão até 2035 para financiar ações climáticas em países em desenvolvimento, com a participação decisiva do setor privado

 (Getty-Images-picture-alliance/Getty Images)

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Danilo Maeda
Danilo Maeda

Diretor-geral da Beon - Colunista Bússola

Publicado em 27 de junho de 2025 às 10h00.

O que separa diplomacia climática de ação concreta costuma caber numa palavra incômoda: dinheiro. O “Roadmap de Baku a Belém”, apresentado recentemente pelo Brasil na conferência de Bonn, na Alemanha, foi concebido exatamente para preencher esse hiato. O projeto pretende viabilizar que até 2035 o fluxo anual de financiamento climático para países em desenvolvimento chegue a ao menos US$ 1,3 trilhão, com recursos de origem públicas e privadas.

Belém, capital da Amazônia brasileira, não é apenas cenário simbólico. Sediar a COP30 dá ao Brasil o papel de voz do Sul Global e guardião do princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas (RCMD), consagrado pela Convenção do Clima em 1992. O artigo 3º do tratado reconhece que todos têm deveres, mas que quem mais poluiu e dispõe de maiores capacidades deve arcar com a parte mais pesada da conta. Essa noção de justiça histórica ganha força quando lembramos que desastres severos — das enchentes no Rio Grande do Sul às ondas de calor mortais na Índia — recaem sobretudo sobre quem menos contribuiu para aquecer o planeta.

O governo brasileiro e o papel do setor privado

Não por acaso, o governo brasileiro tem buscado ampliar a ambição. Na reta final de junho, o embaixador André Corrêa do Lago defendeu que a COP30 incorpore metas de empresas, cidades e estados em um “NDC Global”, abrindo espaço para atores subnacionais — inclusive norte-americanos, apesar das flutuações políticas em Washington — e sinalizando que o setor privado deve estar dentro da sala, não no corredor.

A lógica é simples: sem capital privado, a conta não fecha. O mercado de títulos temáticos (green, social, sustainability + SLB) emitiu US$ 1,05 trilhão em 2024, elevando o estoque de ativos alinhados ao conceito de sustentabilidade a US$ 5,7 trilhões — uma prova de que existe apetite, especialmente quando instrumentos são bem estruturados e oferecem retorno ajustado ao risco. Se boa parte desse volume for canalizada para soluções de baixo carbono em economias emergentes, o Roadmap terá encontrado seu motor.

Exemplos de adaptação e mitigação

Mas de onde virá o impacto? Podemos pensar em exemplos de adaptação, com sistemas de alerta precoce que salvam vidas mas custam caro para quem sofre cronicamente com déficit fiscal, e no caso da mitigação, com usinas solares no semiárido brasileiro e parques eólicos offshore na África Ocidental que não decolam sem linhas de crédito acessíveis. O plano prevê uma biblioteca digital de boas práticas — projetos bancáveis, modelos de blended finance, garantias de primeira perda — para que cada dólar investido se converta em emissões evitadas ou resiliência aumentada.

O setor privado pode (e deve) participar em três frentes. Primeiro, co-financiando por meio de estruturas de risco compartilhado que mobilizem fundos de pensão e seguradoras. Depois, inovando em produtos: green bonds soberanos, sustainability-linked loans que recompensem metas de descarbonização e créditos de carbono lastreados em restauração florestal. Por fim, desenvolvendo tecnologias que reduzam o custo da transição.

A urgência de ações concretas

Para que tudo isso saia do papel será preciso integrar acelerar as conexões entre intenção, realização e impacto. A intenção expressa na meta de US$ 1,3 trilhão precisa se transformar em realização no calendário apertado que leva de Baku a Belém, exigindo consultas técnicas, engajamento político de alto nível e transparência radical. E então isso poderá finalmente se traduzir em impacto, quando comunidades ribeirinhas receberem sistemas de energia renovável, quando pequenos agricultores tiverem acesso a seguros climáticos acessíveis ou quando startups de soluções regenerativas decolarem graças a capital paciente.

O relógio corre — e cobra. Cada dólar adiado hoje custará múltiplos amanhã em perdas econômicas, deslocamentos humanos e colapso de ecossistemas. Se Belém conseguir transformar o Roadmap em ponte confiável entre recursos e resultados, o Brasil terá liderado mais que uma conferência: terá inaugurado a década em que o Sul Global deixou de ser devedor para se tornar co-autor de seu futuro climático.

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