(Epicgames/Divulgação)
Mariana Martucci
Publicado em 19 de março de 2021 às 15h47.
Entramos em uma nova era no mercado de games. Os indicativos financeiros da indústria há alguns anos já nos mostravam o potencial de mercado, uma vez que, desde 2016, muito antes do início da pandemia, os games já movimentavam mais dinheiro que cinema e música somados.
O ponto-chave para se analisar esse fenômeno começa pela compreensão de como esse intrincado ecossistema é composto por diferentes mercados que hoje vão muito além do vetor produtora-distribuidora-consumidor.
Antigamente nós comprávamos um cartucho (distribuído por uma empresa), que continha o software de um game (desenvolvido por uma produtora) para utilização em um console, este último produzido também por uma empresa, que em muitos casos era também produtora e distribuidora dos jogos.
Com a propagação de pontos de acesso aos games – já que hoje podemos jogar no console, no computador, no celular, no tablet, na TV, no relógio, nos óculos de realidade virtual e assim por diante –, aumentaram as oportunidades de produção e distribuição.
Criou-se uma série de mercados derivados, tais como: as próprias ferramentas de desenvolvimento de jogos para produtores de todos os tamanhos; as plataformas de distribuição – os marketplaces de software, como Steam, Google Play, AppStore; as plataformas de streaming protagonizadas pelos próprios jogadores, como Twitch e Discord; e claro, todo o ambiente de e-sports, que passa pela formação e recrutamento dos times e talentos, os patrocinadores, as plataformas, os canais que transmitem modos competitivos.
Historicamente dominada por grandes operadores e investidores nativos do universo gamer, a indústria tem evoluído bastante nos últimos anos. E, claro, o rápido crescimento do setor atraiu uma enxurrada de novas empresas dispostas a conquistar espaço no crescente público de jogadores casuais ou hardcore, entre os streamers, telespectadores e fãs. Conforme imaginado, essa efervescência tem atraído uma base mais ampla de investidores.
Por falar em jogadores casuais, hoje esses são a grande maioria do público consumidor. A barreira de entrada para se tornar um gamer diminuiu consideravelmente. Antes, era necessário investir em um equipamento específico para jogar.
Hoje, como já dito, os pontos de acesso são inúmeros, e já há quem jogue até mesmo no display da geladeira.
O consumidor médio mudou, e essa diversificação aumentou a idade média de consumo de modo geral (provando que não é coisa de criança) e mostrou que a maior parte do público gamer é mulher (provando que não é coisa de menino). O salto desses índices se deu pela popularidade dos jogos casuais, sobretudo mobile.
E a nova era dos games ocorre justamente neste momento em que os consumidores médios dessa indústria não se consideram gamers per se. E não se importam com isso. É sua tia que joga Candy Crush, ou seu primo que joga umas horinhas de Overwatch sem viciar. Ou mesmo você, que acaba jogando Gardenscapes em todos os horários livres sem nem perceber.
O termo gamer, se você for pensar, não faz sentido. Eu não sou um filmer por assistir filmes, tampouco um musiquer por ouvir músicas. Ainda assim, eu posso ser um geek, ou aficionado, por qualquer coisa. Incluindo filmes, músicas e games.
O ponto é que cada vez mais nós estamos jogando em todas as telas e oportunidades disponíveis, mas de forma natural, sem precisar chamar muita atenção ao fato. É diversão, entretenimento. Hoje em dia, aliás, é até mais que lazer.
Chamar de rede social a interação que os games podem proporcionar é ser simplista com o verdadeiro potencial do formato.
Há pelo menos duas décadas os MMORPG (jogos online em que uma grande quantidade de usuários participa e interage ao mesmo tempo, de modo contínuo) atuam como ambientes nichados para interação social de comunidades.
Não é nada incomum encontrar histórias de grandes amizades e até mesmo casamentos que nasceram dentro de um MMORPG. São espaços virtuais compartilhados, permanentemente online e ativo, espelhando nosso mundo físico real no reino digital. Com economia própria, com empregos, áreas de compras e mídia para consumir.
E o que era uma experiência nichada e voltada para um público hardcore ensinou muito aos novos modelos. O que se vê é o crescimento de relevância e audiência de jogos como Fortnite, League of Legends, Hearthstone, PUBG e outros.
Nesses ambientes é possível vivenciar shows virtuais ao vivo, interagir com marcas de todos os tipos, participar de eventos especiais e ganhar itens digitais. As experiências imersivas desses serviços online devem crescer, gerar cada vez mais oportunidades para todos os gostos e nichos, e eventualmente se distanciar desse rótulo gamer. É uma plataforma social, como seu Instagram ou a mesa de bar. Ah, e muitas delas são experiências gratuitas.
A forma de se gerar receita nos games tem evoluído bastante, impactando o ciclo de vida do produto e experiência proporcionada.
O modelo free to play, por exemplo, continua ganhando força com a adoção de microtransações (compra de itens cosméticos para tornar a experiência do jogo mais imersiva e interessante) em várias franquias e em praticamente todas as plataformas disponíveis.
Ou seja, o acesso ao jogo é gratuito, mas a monetização ocorre pela venda de itens e serviços digitais. Há quem diga que o fenômeno já iniciou seu processo de declínio. Eu diria que ele está terminando o momento de euforia para, finalmente, se estabilizar. Tem espaço para todos os modelos.
Jogar online gratuitamente (pagando pelas microtransações) versus pagar antes e depois consumir um único título são extremos com muitas possibilidades entre eles. Tanto a indústria do cinema quanto a de música passaram por uma verdadeira revolução com a popularização das plataformas de streaming. E esse é o caminho do meio para os games.
Acesso instantâneo a uma numerosa biblioteca de jogos, todos salvos na nuvem e disponibilizados por meio de plataformas digitais. Com um mercado cada vez mais competitivo e novos players entrantes a todo momento, a diferenciação dos games em nuvem será fundamental.
Google Stadia e Microsoft Cloud Gaming são exemplos do modelo. Basicamente, você joga o título, mas ele está hospedado em um servidor em qualquer outro lugar do mundo. O vídeo é transmitido em real-time pela internet, reagindo aos comandos enviados pelo usuário na outra ponta.
É um modelo que transcende a aquisição e a posse de títulos e jogos. Ainda não encontrou sua melhor versão, no entanto. Há muitos feedbacks negativos sobre a demora de execução dos comandos. Mas, sem dúvidas, é um caminho interessante que evita a pirataria e reduz barreiras de entrada de novos usuários (seja por custo ou por limitações de plataforma).
A nova era dos games tem gamers que não se importam com o rótulo que você quer dar a eles, desde que se possa vivenciar uma experiência interativa, social, de fácil acesso e onde bem entender.
*Cauê Madeira é sócio-diretor de Growth na Loures Consultoria
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