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Geekonomy: o jacaré de bilhões de dólares da Disney

Decisões criativas de série do Disney+ pavimentam o caminho para ampliar ainda mais os rumos e o faturamento do Universo Cinematográfico Marvel

 (Toco Williams/Reprodução)

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Publicado em 21 de julho de 2021 às 16h53.

Última atualização em 21 de julho de 2021 às 18h04.

Por Cauê Madeira*

Acabou a primeira temporada da série Loki, disponível no Disney+, e com isso a casa do Mickey Mouse pode esperar ficar ainda mais bilionária nos próximos anos, em um dos cases mais impressionantes de toda a indústria cinematográfica.

Não é preciso ser um analista sequermediano para antever que a jornada desses super-heróis no cinema ainda será rentável por um bom tempo. O Marvel Cinematic Universe (MCU), como é chamado, é uma comprovada e bem planejada mina de ouro que, ano após ano, chega a patamares impressionantes de faturamento. Imagine um rol de quase 30 filmes (entre os que saíram e os que já estão programados para sair) e algumas séries de TV interconectados desde 2008, contando uma história contínua que começou com aquela primeira película do Homem de Ferro, se desdobrou em Thor, Capitão América e reuniu a todos no primeiro Vingadores, de 2012.

E assim, seguidas vezes, novos títulos saíram: Doutor Estranho, Pantera Negra, Capitã Marvel. Cada filme contava uma história de origem, mas que de alguma forma estava conectado ao metaplot geral. Tanto que culminou na grande batalha de dezenas de heróis contra o vilão Thanos, nos filmes Vingadores: Guerra Infinita e Vingadores: Ultimato.

Hoje a estratégia do negócio parece óbvia, mas quando tudo isso começou, no fim da década retrasada, foi um grande risco assumido pela Marvel Studios. Para começo de conversa, eles ainda nem sequer haviam sido comprados pela Disney.

A Marvel Comics por anos sustentou o primeiro lugar entre as editoras de histórias em quadrinhos (nos Estados Unidos e no mundo), mas o mercado — embora grande — começava a dar sinais de declínio, e a companhia vivia uma crise financeira. E em meados dos anos 1990 criou seu estúdio cinematográfico não para produzir filmes, mas para licenciar seus personagens icônicos a outras produtoras e assim, quem sabe, diversificar as fontes de receita.

Foi a partir dessa premissa que realizou um primeiro teste com Blade (1998), filme de um anti-herói vampiro de segundo escalão que, embora tenha sido considerado mediano pela crítica, teve um bom resultado comercial. Pelo menos suficiente para justificar a continuação dessa empreitada.

Com esse primeiro sinal verde, colocaram no mercado suas duas propriedades intelectuais mais importantes: X-Men e Quarteto Fantástico — que foram adquiridos pela FOX — e Homem-Aranha, que foi para a Sony. Acabaram sendo muito bem-sucedidos nessas empreitadas cinematográficas, mas com histórias e tramas que não tinham nenhuma relação entre elas. Os mutantes viviam em um universo, o quarteto em outro, o cabeça-de-teia em outro.

Enquanto isso, após duas trilogias com seus principais heróis (e uma série de fracassos com o Quarteto Fantástico, importante destacar), a Marvel ficou mais confiante e percebeu que talvez pudesse aumentar ainda mais sua margem de faturamento se, talvez, se propusesse a produzir seus próprios filmes. A ideia foi amadurecendo durante alguns anos, e veio de um executivo considerado meio "fanboy" demais a ideia de se criar um universo compartilhado entre os títulos, seguindo o modelo criado pelos criadores Stan Lee e Jack Kirby nas HQs do início dos anos 1960. Esse executivo era Kevin Feige, hoje presidente da Marvel Studios.

O problema é que eles não poderiam, a princípio, criar filmes para seus três principais títulos, que seguiam com os direitos cinematográficos em outros estúdios. O Homem-Aranha era o herói que mais faturava em venda de revistas e merchandising, ultrapassando Batman e Superman, da concorrente DC Comics. Logo em seguida vinha o Wolverine, dos X-Men. E após alguns mutantes mais icônicos, o Quarteto Fantástico.

Os Vingadores estavam abaixo disso em valor de mercado. Mas era o que restava à Marvel: apostar em heróis que tinham, sim, um apelo e uma força icônica, mas que não eram máquinas automáticas de fazer dinheiro. Pensar em um universo de heróis sem os principais títulos da casa foi considerado loucura para alguns. Mas deu certo.

Homem de Ferro não era o personagem mais querido. Thor sempre foi meio brega, meio antiquado nessa história de misturar mitologia com quadrinhos. E o Capitão América... Bem, era o Capitão América, você consegue pensar em uma figura mais tosca do que um herói que defende o american way of life? Pois é. Investiram neles, aprofundaram os personagens e mesmo o ícone nacionalista transpôs para a tela seus receios e consequências de assumir um manto tão pesado. E se tornaram personagens amados, içando inclusive os quadrinhos, que pararam de dar tanta ênfase aos mutantes.

O que vem depois disso é história: a Marvel conseguiu fazer alguns acordos com a Sony e incluir o Homem-Aranha nos Vingadores. E, mais recentemente, a Disney adquiriu a FOX. Com isso, voltaram para casa os direitos do Quarteto Fantástico e dos X-Men. Mas as duas franquias já estavam saturadas, com muitos filmes, muitos reboots e um pouco perdidas criativamente.

Para piorar, no caso dos X-Men, seria muito complexo inserir uma narrativa verossímil para explicar a existência de seres mutantes que há centenas de anos circulam por aí, mas que nunca sequer foram mencionados na história compartilhada do MCU. Isso sem contar que Wolverine foi imortalizado nas telonas por Hugh Jackman (que diz ter se aposentado do papel), tornando a tarefa de substituí-lo de alguma forma muito arriscada.

Eis que chega Loki e cria uma solução criativa que, de certa forma, permite abraçar e tornar oficial tudo que já foi criado por outros estúdios: as duas versões anteriores do Homem-Aranha, as duas versões dos X-Men, as quatrocentas versões do Quarteto Fantástico.

Eu sei, eu sei. Semana passada eu critiquei bastante a série do Deus da Mentira. E acho que é uma crítica ainda bem válida. Mas a produção e a história, afinal, são muito boas.

Após a conclusão do arco das Joias do Infinito e a vitória sobre Thanos, houve muita especulação sobre qual seria a macro-história da fase seguinte do MCU. Os títulos de filmes anunciados já davam algumas pistas, mas foi com duas das três recentes séries do Disney+ que o grande plot foi revelado: multiuniversos paralelos. No último episódio de Loki (spoiler!) ocorre um evento que desencadeia a ramificação de infinitas linhas do tempo e realidades paralelas. E aparentemente essa será a base do novo arco.

A temática não é nova e foi explorada inúmeras vezes nos quadrinhos para justificar o retorno de personagens mortos, reboots de histórias saturadas e outras formas de solucionar a narrativa com a — em tese — fácil desculpa dos universos paralelos e paradoxos temporais.

Mas a Marvel aborda o tema com muito planejamento, com uma boa história e, como sempre fez, rindo muito dela mesma. O universo dos heróis é empolgante, repleto de ação e muito divertido. Mas sempre soubemos que é meio ridícula essa coisa de sair por aí de collant e capa para combater o crime, não é mesmo? E desde o primeiro filme eles nunca se levaram tão a sério assim. Na própria série do Loki, por exemplo, ele confronta diversas versões paralelas dele mesmo, conhecendo uma Loki mulher, um Loki criança, um Loki velho, um Loki monstro, um Loki alienígena e até mesmo um Loki jacaré.

Isso é divertido, é cômico, mas passa um importante recado: a partir de agora, tudo é possível. E nós, espectadores, compramos a ideia.

Isso significa que a partir de agora todos os filmes da Marvel são oficiais. O Blade. Os três reboots do homem-aranha. Os desenhos animados. Os X-Men (tanto da trilogia clássica quanto o reboot First Class), o Deadpool. Tudo.

Há uma expectativa de que o próximo filme do Homem-Aranha traga esse crossover de estúdios para a tela, já que contará com os mesmos atores e vilões surgidos em iterações diferentes da franquia.

Subitamente essa história colossal contada em quase 30 obras cinematográficas e para a TV ganhou novos capítulos. Talvez seja a hora de rever aqueles filmes dos X-Men lançados em 2000...

Estamos torcendo para dar certo.

One studio to rule them all. E uma legião de fãs satisfeitos.

*Cauê Madeira é sócio-diretor da Loures Consultoria

Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a EXAME. O texto não reflete necessariamente a opinião da revista.

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