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Fernando Shayer: Em busca do tempo perdido na educação

Resultados do PISA mostram como a educação brasileira não pode ser mais abafada, ainda mais em um processo de revolução digital

Onde fica o crescimento educacional nesse lamaçal de más notícias institucionais? (Alexandre Battibugli/Exame)

Onde fica o crescimento educacional nesse lamaçal de más notícias institucionais? (Alexandre Battibugli/Exame)

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Publicado em 12 de setembro de 2021 às 11h00.

Última atualização em 29 de setembro de 2021 às 12h53.

Por Fernando Shayer*

Já se tornou mais do que comum no país investirmos tempo e foco em assuntos que, se as coisas estivessem bem, simplesmente não deveriam existir, tais como a briga institucional entre os Poderes, o impeachment de nossos presidentes e inúmeros escândalos de corrupção. Marcel Proust, autor de Em Busca do Tempo Perdido, disse que “o tempo passa e aos poucos todas as coisas falsas que dissemos se tornam realidade”. No caso da educação brasileira, o tempo está sendo perdido por aquilo que as pessoas de bem, interessadas no futuro do Brasil, não estão dizendo em voz alta: precisamos mudar a realidade de nossa educação, porque nossos resultados são desastrosos.

A cada três anos, estudantes de 15 anos em países de todas as partes do mundo participam de um exame internacional de conhecimentos e competências em leitura, matemática e ciências, chamado Pisa. Em 2018, participaram 600 mil alunos de 79 países, incluído o Brasil. O exame é organizado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e inclui perguntas que medem tanto o conhecimento de conteúdos, como quanto os estudantes conseguem aplicá-los em situações com as quais não estão familiarizados. Há outros exames relevantes, como o Saeb, no Brasil. Mas pela sua abrangência internacional, vale a pena guardar esses resultados do Pisa. Se você não estiver sentado, por favor, faça isso agora, para não cair para trás.

Em matemática, os estudantes brasileiros (tanto da rede pública, quanto da privada) ficaram em 70º lugar dentre 78 países. Isso mesmo, entre os 10% piores do mundo, atrás de, por exemplo, Cazaquistão, Uruguai, Costa Rica, Peru e Jordânia.  Em ciências, ficamos em 66º lugar.  E, em leitura, em 57º lugar. Como retrato de nossa desigualdade, os 25% mais pobres teriam ficado em 73º em matemática, se fossem um país separado.

As Nações Unidas estabeleceram 17 objetivos de desenvolvimento sustentável para 2030, relativos aos principais problemas socioambientais mundiais. Um dos objetivos é assegurar educação inclusiva e equitativa de qualidade, e é alcançado, dentre outros índices, se todos os jovens alcançarem, no mínimo, o nível dois de proficiência do Pisa. De acordo com a OCDE, este ainda não é um nível suficiente para se tomar decisões comuns na vida pessoal e profissional: trata-se do nível mínimo a partir do qual o estudante é capaz de usar a matemática em decisões “extremamente” básicas do cotidiano.

No Pisa de 2018, em matemática, 68% dos estudantes brasileiros ficaram abaixo do nível dois. Em ciências, 55% e em leitura, 50%. Ou seja, extrapolando-se o resultado amostral, dos cerca de 48 milhões de alunos do país, 32 milhões não sabem o mínimo em matemática. Nas minhas contas, isso é assustador.

Para complicar ainda mais o quadro, considere que estamos na revolução digital. Muito rapidamente, as atividades profissionais passíveis de serem realizadas por máquinas serão automatizadas. Isso inclui, especialmente, tarefas mais repetitivas, que não requerem pensamento complexo, criatividade ou habilidades sócio-emocionais, tais como aquelas correspondentes aos conhecimentos e competências demonstradas abaixo do nível dois do Pisa. Em outras palavras, se continuarmos nesse ritmo, a automação trará um tsunami de desemprego para a maior parte dos atuais estudantes brasileiros.

Educação é um tema complexo, cujos resultados aparecem no longo prazo, por meio de ações consistentes. Ações incluem formação de professores, modernização de práticas instrucionais, profissionalização da gestão escolar e a alocação de recursos em infraestrutura física e digital, dentre outras, algumas das quais têm sido tomadas por alguns poucos estados e municípios brasileiros. De um jeito ou de outro, todas elas passam por tecnologia.

Se a revolução digital é uma ameaça, ela é, por outro lado, uma enorme oportunidade. A tecnologia permite uma educação inclusiva e de qualidade chegar de forma mais rápida e uniforme em todas as quase 185 mil escolas do país. Por exemplo, ela permite a formação de professores e gestores escolares online em larga escala. Ela permite a obtenção de dados de gestão escolar e de aprendizagem em tempo real. Ela facilita a adoção de metodologias instrucionais que desenvolvam conhecimentos e competências demandadas neste século, incluindo-se letramento digital. E também a realização de aulas e experiências de aprendizagem muito mais engajadoras para os jovens, que são nativos digitais. É o que se chama na literatura internacional de “leapfrogging”, uma aceleração rápida na taxa de transformação baseada na inovação.

Mas isso tudo tem de ser feito agora. O crescimento educacional é indispensável ao crescimento econômico, pelo enorme impacto na produtividade, na renda e no emprego. Não existe país desenvolvido que não tenha investido com eficiência em educação. Ainda assim, se fala pouco do crescimento educacional no Brasil, em meio a esse mar de agendas institucionais negativas. Mudar isso, cabe a nós. Por isso, se eu puder lhe fazer uma sugestão, envolva-se com esse tema. Doe tempo ou recursos às inúmeras associações do terceiro setor que apoiam a implementação de agendas educacionais junto aos governos. Cobre dos governantes ações concretas visando o crescimento educacional. Vote em governantes que colocam esse tema em primeiro lugar, e cobrem-nos ativamente por isso. No futuro, o tempo já terá sido perdido.

*Fernando Shayer é co-fundador e CEO da Cloe, plataforma de aprendizagem ativa

 Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.

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