A glocalização é um caminho sem volta (Richard Drury/Getty Images)
Bússola
Publicado em 7 de novembro de 2022 às 13h00.
Última atualização em 7 de novembro de 2022 às 13h08.
Desde as viagens marítimas do século 15 encabeçadas por Portugal e Espanha até o advento da internet, o mundo passou por transformações constantes e quase impossíveis de serem mensuradas. Uma coisa é certa: nunca estivemos tão conectados — ou globalizados. Podemos hoje mover pessoas e mercadorias em uma escala jamais vista. Comprar doces do Japão? Roupa da China? Melado do Canadá? Embarcar para Roma amanhã mesmo?
Serviços de todo tipo disponíveis a um clique, uma nova necessidade surge: a de se conectar com o que é local, conhecido. Com a pandemia de covid-19 e o excesso de informações despejadas em nossas mentes por meio das redes sociais, passamos a ser mais exigentes com o que queremos e como queremos. E é dessa necessidade de criar algo único e ao mesmo tempo acessível às pessoas de qualquer parte do mundo que surge o termo "glocalização" — ou glocalization, em inglês.
O neologismo alude basicamente à presença da dimensão local na produção de uma cultura global. Com empresas, principalmente as startups, operando em diferentes países e continentes, cada dia mais os produtos e serviços tendem a ser universalizados para otimização de custos e maximização de receitas.
Porém, em tempos de crise climática, surge a procura por sustentabilidade e também a busca pela valorização de cada ecossistema onde um mercado está inserido. Um bom exemplo desse movimento é o crescimento da agricultura local, familiar e ecologicamente sustentável. O café brasileiro é apreciado no mundo todo e quanto mais orgânica e transparente for sua produção, mais sucesso ele terá, principalmente entre os consumidores jovens, cada vez mais exigentes.
A nova geração, aliás, é um dos principais fatores que fazem da glocalização um caminho sem volta. O conceito vem da palavra japonesa dochakuka, que significa “localização global” e, no passado, referia-se à adaptação das técnicas agrícolas às condições locais. Com o passar do tempo, tornou-se um chavão e foi adotado amplamente pelas empresas japonesas, principalmente a partir da década de 1980.
Já a palavra como conhecemos hoje deriva de Manfred Lange, então chefe do Secretariado Nacional de Mudança Global da Alemanha, que usou "glocal" em referência à exposição "Black Box Nature: Rubik's Cube of Ecology”, de Heiner Benking, em uma conferência internacional de ciência e política.
Mas qual é a fronteira entre ser global ou local? E mais: é realmente possível abraçar tudo? O que a minha empresa tem a ver com isso? A resposta para essas questões não é nada fácil. Porém, toda startup, se um dia quiser se transformar em uma multinacional, terá de encará-las com sabedoria e estratégia.
Por já ter presenciado várias operações internacionais, tive a oportunidade de ver de perto os modelos que funcionaram e aqueles que não deram certo. Tirando as grandes multinacionais que têm seus produtos amplamente desejados pelas massas (Apple, Meta, Google) e que não se preocupam (muito) em dar um endereço — ou localizar — seus produtos, outras empresas, por mais globais que sejam, precisam brigar por cada mercado conquistado e ainda localizar, pelo menos em algum nível, seus produtos, serviços e ofertas.
Para que uma operação global possa ganhar escalabilidade você precisa customizar seu produto ou serviço em grande parte. Sem isto, você não consegue escalar e manter uma boa gestão e rentabilidade ao mesmo tempo. Ou seja, o que fazer? Há dois caminhos possíveis.
Você pode sentar na matriz, criar um produto feito por especialistas a fim de obter um melhor desempenho de negócio; ou você pode deixar os mercados criarem os produtos e depois usar um time global para melhorar a performance. Nesse caso também será preciso quebrar a cabeça para dar personalidade, ou customizar, o seu ganha-pão.
Não existe uma resposta certa e aplicável a todos os setores. Contudo, façamos um pequeno exercício: você prefere gastar muito dinheiro criando um produto que não é vendido ou tentar aperfeiçoar um produto que é difícil de escalar, mas é campeão de vendas?
O melhor a fazer, e falo por experiência, é ter um produto que venda bem localmente e só então escalar a operação. Perceba que quanto mais longe do mercado a decisão for tomada, menor a chance de essa decisão ser assertiva. Funciona mais ou menos como aquela brincadeira infantil "Telefone sem fio": cada vez que a informação é repassada, ela pode ganhar novo sentido. Agora imagine isso sendo feito no mundo adulto, muitas vezes unindo mais de dez pessoas e três idiomas diferentes!
Quando você deixa o mercado liderar o seu produto focando na contratação de um excelente time global para vender e dar personalidade para o seu negócio, o resultado pode ser bastante positivo. Afinal, ninguém melhor para falar sobre o cliente que as pessoas que mantêm contato direto com o cliente. Se essas pessoas também participarem da criação dos produtos e serviços você tem uma magnifica fórmula para o sucesso.
Mas é preciso estar atento. Tenho a tendência a ser mais resistente a modelos "top-down", vindo de equipes globais. E você? Apostaria em qual solução?
*Fernando Dias é managing director da Migo Money Brasil e founding advisor do TNB Group
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