Todos os entes e entidades deveriam se juntar para proteger o planeta de uma trágica viagem econômica (Ricardo Moraes/Reuters)
Bússola
Publicado em 18 de janeiro de 2022 às 13h39.
Por Fernando Barros*
Este artigo é uma livre reflexão sobre alguns aspectos da intensa movimentação social verificada entre o período da pandemia, de sua primeira pausa até a atual confluência com o novo e surpreendente ataque viral, que atende pelo nome de ômicron, que veio acompanhado de um parceiro — igualmente virótico identificado pelo nome gripe tipo A ou H3N2.
Mas sempre foi assim: durante séculos a terra foi ameaçada por várias pestes. Só que os atuais habitantes daqui foram pegos de surpresa. De repente, o ataque das cepas de covid-19 deixaram milhares de mortos em todos cantos do planeta ameaçando a sobrevivência da humanidade. Nos defendemos, nos escondemos em nossas novas cavernas, nos estendemos sobre os nossos sofás, esperando. Mas a eternidade não existe.
Um dia, agulhas milagrosas abriram portas e janelas. E o mundo promoveu a mais explosiva movimentação mercadológica de que se tem notícia. Semiconfinados se comprou menos, se viveu menos, e havia represálias, poupanças inimagináveis.
Todo mundo saiu. E saiu se abraçando, comprando sem freios, varrendo prateleiras de tudo que achava pela frente. Parte da civilização do meio estava rica, endinheirada, gastou menos e saiu arrematando loucamente.
Na outra ponta, comprimidos e em regime de semiofício, os setores de produção não estavam preparados para tanta demanda. E começou a faltar tudo. De automóveis a refrigerantes. De remédios a comida, agora podendo ser servida e consumida alegremente nos espaços públicos. Todo mundo queria viajar, beber, e comprar o que quisesse com o dinheiro poupado na marra por quase dois anos.
Sucede que a economia não aguenta desaforos, tal como se falava sobre o dinheiro. E está em plena força de tração um ataque à humanidade tão ou mais perigoso que a covid-19. Falo do derretimento do dinheiro.
Os ricos ficaram mais ricos, e surgiram novos ricos vorazes, comprando telas de arte vazias em vídeos por até US$ 250 mil, a serem abertas por tokens, quando o artista resolvesse criar a obra. Bolsas de grife são disputadas por cifras que ultrapassam cinco dígitos. Os alimentos dispararam, moedas sem lastro tomaram o lugar do dólar e papéis consistentes das bolsas. Os bits tiveram este ano valorização maior que a maioria das ações das bolsas mundiais, a poderosa Nasdaq incluída.
Quem quiser comprar um carro — cuja tabela subiu no mundo todo — tem de esperar. Faltam lítio, pneus, e os componentes eletrônicos também estão em falta. Faltou até “camarão seco”, e muitos quitutes da festejada cozinha baiana não puderam ser degustados pela ausência desse ingrediente, no final do ano.
Vem aí a febre crescente de hiperinflação, a mais perigosa das pragas econômicas.
Já estou esperando a movimentação dos Bancos Centrais importantes das grandes potências. Devem criar e editar novas normas, com moedas novas, de cara nova. Também o excesso de dinheiro dos países ricos podem, e devem, patrocinar medidas sociais de grande alcance para socorrer as populações mais pobres do planeta antes que seja tarde.
Presumo, serão derivativos de uma avalanche de moedas que não tem mais nem como serem guardadas, e perderão o valor caso não sejam imediatamente utilizadas. Catastrófico, mas perto da verdade — mesmo não sendo eu um economista. Sou publicitário e os anúncios são minhas lentes, por meio deles observo a ida e vinda do humor dos mercados.
Nosso negócio — a comunicação — busca se reinventar, juntando o que sobrou da analógica, com a digital.
Assisti esta semana um jogo de basquete transmitido dos Estados Unidos. Não foi através de canal streamer. Era um site exclusivo para esportes. Um novo canal de mídia privado, de larga audiência mundial, contudo. Todas as principais marcas mundiais estavam ali com seus anúncios, e os publicitários buscando sobreviver no mais com menos. Os vídeos/filmes mais “longa metragem” tinham 30 segundos. Comerciais de dez, 12, 15 segundos na média. Um mundo novo para ser alcançado. A linguagem se compactando, novos simbolismos.
As faixas etárias entre 16 e 30 anos tentam decifrar esse mundo novo e dizem que não voltam mais para as cavernas. Vão ficar de frente com o ômicron e seus descendentes. Querem mais. Mesmo diante das ameaças da recente onda de covid, continuam enchendo lojas em todos os países. Mas é preciso pesquisar e entender melhor o tsunami de consumo causado pela pandemia e a fuga dos sofás.
Há um claro desequilíbrio mundial entre valores e manufaturados. Há um abalo na dinâmica de criação de vagas de trabalho. A automação, em escala assombrosa, chegando sem avisar. Vai sobrar mais gente sem emprego. Pode vir uma onda de miséria. O mundo vive a pior das crises, a falta de insumos.
A maior rede de hospitais do Brasil suspendeu os testes de covid por falta de materiais químicos. Nos Estados Unidos, já é comum encontrarmos prateleiras de supermercados vazias por falta de abastecimento e, logicamente, lá vem pressão sobre os preços. São cancelados voos em todos os aeroportos do mundo.
O bom é que temos uma possibilidade firme de subir a ladeira e em pouco tempo a civilização pode se livrar das novas pragas. Vírus mais “amigáveis”, imunização global.
Vamos torcer para os mercados não naufragarem como em 1929.
Todos os entes e entidades deveriam se juntar para proteger o planeta de uma trágica viagem econômica. Boa pauta para discutir em Davos. Somos muitos mas estamos poucos.
Nada de se esconder nas cavernas de novo.
*Fernando Barros é publicitário e presidente do Conselho da Propeg
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