Suposta vitória geraria um aumento de R$ 80 a R$ 90 bilhões nos cofres federais (Thinkstock/Thinkstock)
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Publicado em 26 de junho de 2023 às 14h52.
Última atualização em 26 de junho de 2023 às 15h05.
Após o julgamento do Tema 1.182 dos recursos repetitivos pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), a Receita Federal começou a notificar, em maio de 2023, cerca de 5 mil contribuintes para recolherem, até 31 de julho de 2023, o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) que supostamente seriam devidos em razão de deduções indevidas de benefícios fiscais de ICMS. O objetivo do Fisco é oferecer aos contribuintes uma “chance” de regularização antes de serem alvo de fiscalizações.
Segundo Adriano Rodrigues de Moura e Eduardo Melman Katz, sócios da prática de Tributário do Mattos Filho, essa é uma tentativa do governo de valer-se da suposta vitória que conseguiu no caso, que geraria um aumento entre R$ 80 a R$ 90 bilhões nos cofres federais, segundo dados do Ministério da Fazenda.
No julgamento, foi decidido que os benefícios fiscais do ICMS, como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros, só podem ser excluídos da base de cálculo do IRPJ e da CSLL se forem atendidos os requisitos previstos em lei (art. 10 da Lei Complementar 160/2017 e art. 30 da Lei nº 12.973/2014). Ou seja, o entendimento anterior do STJ que excluía o crédito presumido de ICMS da base de cálculo dos impostos independentemente da observância dos requisitos legais não se aplica a esses benefícios fiscais.
Os advogados avaliam que os contribuintes também tiveram vitórias importantes no julgamento. Com isso, levanta-se a questão: há justificativa real para essa cobrança sobre os contribuintes?
Confira abaixo a íntegra do papo dos dois com a Bússola.
Bússola: Qual era a argumentação do Fisco para tentar eliminar ou, pelo menos, reduzir a possibilidade de dedução dos valores representativos dos benefícios fiscais de ICMS?
Eduardo Melman Katz: A linha argumentativa defendida pelo Fisco estava baseada principalmente em dois elementos: que os benefícios fiscais negativos (isenção, redução de alíquota, redução de base de cálculo etc) não representariam propriamente uma receita que pudesse ser excluída da apuração do lucro, já que apenas reduziriam uma despesa do contribuinte; e que para se autorizar a exclusão dos benefícios fiscais da apuração do lucro, seria necessário comprovar que tais benefícios teriam sido concedidos pelos Estados como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.
Como era a defesa dos contribuintes em relação à exclusão dos benefícios fiscais negativos da base de cálculo do IRPJ e CSLL?
Adriano Rodrigues de Moura: Os contribuintes defendiam que os benefícios negativos, assim como o crédito presumido, igualmente afetam a apuração do lucro. Do ponto de vista contábil, a percepção de uma receita ou a redução de uma despesa possuem o mesmo efeito.
Dada a similaridade entre o crédito presumido e os benefícios negativos, a estes últimos deveria ser aplicado o mesmo entendimento firmado pelo STJ em 2017, no sentido de que os créditos presumidos de ICMS poderiam ser excluídos da apuração do lucro, independentemente do cumprimento de qualquer requisito legal.
Subsidiariamente, defendiam os contribuintes que deveria ser possível a exclusão dos benefícios fiscais da tributação mediante o cumprimento do art. 30 da Lei 12.973/2014 (que exige a constituição de reserva de incentivos), mas independentemente da demonstração de que o benefício fiscal teria sido concedido como estímulo à implantação ou expansão de empreendimento econômico.
Quais pontos de interesse da União foram afastados com a decisão do STJ?
Eduardo Melman Katz: Embora não tenha aplicado aos benefícios fiscais negativos o mesmo entendimento firmado para os créditos presumidos de ICMS, o STJ assegurou a exclusão desses benefícios da apuração do lucro, desde que cumpridos os requisitos do artigo 30 da Lei 12.973/14.
Esse ponto da decisão, portanto, afastou a argumentação da União, no sentido de que os benefícios fiscais negativos jamais poderiam ser excluídos da apuração do lucro.
O STJ também afastou expressamente a argumentação da União de que para se autorizar a exclusão dos benefícios fiscais da apuração do lucro, seria necessário comprovar que tais benefícios teriam sido concedidos pelos Estados como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.
Quais foram os principais pontos da decisão do STJ em relação à equiparação dos benefícios negativos e crédito presumido?
Adriano Rodrigues de Moura: A Corte não se adentrou à análise dos impactos contábeis de ambas as espécies de benefício, o que na visão dos contribuintes demonstraria a similaridade entre esses incentivos e a necessidade de aplicação do mesmo tratamento tributário.
Por outro lado, o Ministro Relator do caso, Benedito Gonçalves, justificou a diferenciação entre essas espécies de incentivo no chamado efeito de recuperação.
Na visão do Ministro, considerando a sistemática não cumulativa do ICMS, em que o valor do imposto incidente na operação é usado como crédito pelo contribuinte na etapa posterior da cadeia econômica, quando há redução da carga tributária em uma etapa da cadeia em razão de benefício fiscal negativo, o Fisco recuperaria esse valor na etapa subsequente, uma vez que não seria possível a utilização do crédito.
Por essa razão, não haveria, na visão do Ministro, efetiva renúncia de receita pelo Estado, diferentemente do cenário do crédito presumido.
Qual é a ressalva feita pelo STJ à Receita Federal em relação ao lançamento do IRPJ e da CSLL? Qual é o seu objetivo?
Eduardo Melman Katz: A Corte pontuou que, embora não seja necessário comprovar que o incentivo foi concedido como estímulo à implantação ou expansão de empreendimento econômico, o Fisco poderá autuar os contribuintes se verificar que os valores oriundos do benefício fiscal foram utilizados para finalidade estranha à garantia da viabilidade do empreendimento econômico.
Em nossa visão, essa ressalva tem o propósito meramente de coibir o desvirtuamento na utilização dos benefícios fiscais, de modo que os valores correspondentes deixem de ser utilizados no interesse das atividades empresariais.
Portanto, entendemos que a ressalva não implica a necessidade de comprovação de aplicação dos montantes relativos aos benefícios fiscais na implantação ou expansão de empreendimento econômico, na linha da posição do Ministro Herman Benjamin, que inseriu essa ressalva no acórdão, e destacou que a Lei Complementar nº 160/17 desobrigou os contribuintes de tal demonstração.
Para fechar, como avaliam a notificação de cobrança de IRPJ e CSLL pela Receita?
Adriano Rodrigues de Moura: A notificação emitida pelo Fisco e direcionada a diversos contribuintes parece tentar passar a mensagem de que a Fazenda teria obtido êxito integral junto ao STJ, o que, como se viu, não é o caso.
Para os contribuintes que excluíram os benefícios fiscais negativos da apuração do lucro e cumpriram os requisitos do artigo 30 da Lei nº 12.973/14, não nos parece haver o que ser regularizado.
Essa iniciativa da Receita parece constituir tentativa de se construir uma narrativa exageradamente vencedora.
Exemplificativamente, mesmo após a publicação do acórdão pelo STJ, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional divulgou nota, afirmando textualmente que “O valor correspondente ao benefício deve ter registro na reserva da empresa e posteriormente ser reinvestido na expansão ou implantação de um empreendimento”, ou seja, insiste em ponto que claramente foi afastado pelo STJ.
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